Assim como o agro, a produtora Fabiana Venzon passou por grandes transformações até chegar ao momento atual. Além de tocar uma área de 425 hectares — onde são produzidos milho, soja, trigo, canola e aveia — é uma das mulheres a integrar o Conselho de Administração da Cotrijal, cooperativa com sede em Não-Me-Toque que acaba de concluir mais uma edição da Expodireto. Nascida no meio rural, ela trilhou outro caminho profissional até se fixar na atividade, ganhando também voz ativa no segmento. Em entrevista, contou como foi o processo. Leia trechos da conversa.
Você está no Conselho de Administração da Cotrijal. Como construiu a relação com o setor?
Costumo brincar que minha relação com o agro vem desde que nasci. Sou a filha mais velha de quatro irmãos, a única mulher. Nasci em Nicolau Vergueiro (na época, Marau). Sendo uma família grande e com pequena propriedade, a gente ajudava. Todas os dias, andávamos quatro quilômetros para ir à escola. Lembro que achava aquilo tudo difícil, era uma vida muito sofrida. Me imaginava trabalhando em um banco, no escritório, coisas assim. Fui crescendo e decidi que queria estudar Psicologia. Mas na época era um curso integral, em Passo Fundo. Fiz Secretariado Executivo, um curso bem amplo. Antes de me formar, passei em uma seleção do Sicredi.
De que forma decidiu voltar para o agronegócio?
Trabalhei no banco e um tempo depois, separada do meu primeiro casamento, com duas filhas pequenas, voltei para o agro. Morava em Passo Fundo e apareceu uma área de terras próxima da cidade. Um dos meus irmãos, comigo até hoje, me validou, disse que ajudava, se eu quisesse tentar. Porque ao voltar para o agro, trinta anos depois, acabei tendo um choque de realidade. Como as coisas tinham mudado! Quando fechei a negociação, comecei a dimensionar máquinas, estruturar a propriedade... Fui estudar Gestão Estratégica de Agronegócio, na FGV. Não era mais agricultura, era agronegócio.
O retorno foi imediato?
Nossa primeira colheita, em 2012, ano de estiagem, foi frustrada. Lembro que fechei média de 30 sacas por hectare, e bateu o desespero. Tinha investimento gigante, financiamento de máquinas, parcelas da terra para pagar. Pensei que não era para mim e decidi vender. Na conversa com interessados, entendi que perceberam minha fragilidade e que estavam querendo se prevalecer disso para pagar muito menos do que valia. Tive um momento de indignação, e pensei: vou dar conta e virar esse jogo. E não vendi. Começamos a estruturar o solo, fazer cobertura, manejo que a área nunca tinha tido. Fomos corrigindo com adubação, cobertura, plantas de inverno. Em 2018 bati 65 sacas de soja por hectare, nunca passava de 55, 58. Não é ruim, ficava na média do Estado, só que para a região da Cotrijal, os níveis de produtividade são muito elevados.
Quando a cooperativa entrou na sua vida de produtora?
Me associei em 2014. Sempre negociava fertilizantes, fiz muitas viagens de estudo, de conhecimento com a cooperativa. Em 2019, fui indicada para o Conselho de Administração pelo Ildo Orth (hoje falecido), para o lugar dele. Eu disse que não sabia como funcionava, mas que ia buscar, estudar. Decidi aceitar. Estou no conselho pelo quarto ano, e é uma responsabilidade grande.
Como vê a participação feminina em postos de comando?
O agro ainda é um mundo muito masculino. Às vezes, me perguntam se tive problemas, desafios maiores por ser mulher. Acho que sim. Cansei de ir em cursos, dias de campo, eventos e ser a única. E as pessoas me olharem como se tivesse baixado um ET na reunião. Não ligo, nunca dei bola, sei o que estou fazendo e buscando, mas acho que tem muito para crescer, porque as mulheres não estão preparadas para esses olhares. No momento que nos fragilizamos com estranhamentos, deixamos espaço para os homens. E eles estão aí, já conhecemos do que são capazes, fizeram muito, continuarão fazendo. Só que podemos agregar muito sendo homens e mulheres.
O cooperativismo traz um incentivo à participação feminina?
Acho que favorece, porque o modelo por si só tem essa acolhida. Por isso estamos investindo e apostando tanto no programa Mais Elas, para trazer mais mulheres, para entenderem como acontece a cooperativa. Foi formado um comitê de mulheres associadas ou esposas de associados que depois acabaram se associando, que quiseram estar presentes e esse comitê é responsável por criar encontros com as mulheres de todas as regiões. É um programa permanente.
Para uma jovem que esteja pensando em atuar no agro, o que você diria?
A formação é o principal. Tudo passa por aí, conhecimento a gente está sempre buscando, enxergando novas possibilidades, se qualificando. Há muitas oportunidades, a internet está aí e você tem todos os dias a possibilidade de aprender algo construtivo e útil e aplicar. E não se deixar abalar. Ter a coragem. Muitas vezes, vai chegar em casa e chorar, porque se sentiu humilhada, menosprezada ou não se sentiu incluída. Chora, seca as lágrimas e segue em frente, porque o mundo precisa dessa coragem, dessa vontade de buscar mesmo, e de sentir que a gente pode fazer melhor. Somos capazes de mudar esse panorama. A Cotrijal tem 17 mil associados. Só 3,5 mil são mulheres. E estamos fazendo um trabalho de trazer as mulheres, de chamá-las para terem sua inscrição estadual, seu bloco de produtor e se associarem. As mulheres precisam estar preparadas porque a gente nunca sabe o dia de amanhã. É isso o que a gente quer que as mulheres comecem a perceber: que o que fazem é muito importante, mas que podem ser mais do que coadjuvantes.