Ainda não consegui nem listar tudo que não gostei no comercial da Volkswagen que usou a técnica de inteligência artificial conhecida por deepfake para colocar o rosto de Elis Regina no corpo de uma atriz. Muita gente se emocionou porque ela aparece cantando com a filha Maria Rita, que era uma pequena menina quando a mãe morreu. Enxerguei tantas aberrações que nem me permitiram me emocionar com este fato triste demais da vida das duas.
Primeiro, como consumidora e receptora de uma publicidade, achei mórbido. Fiquei desconfortável durante todo o comercial, especialmente quando aparecia o "holograma" de Elis Regina. Algo me diz (mas isso não posso atestar) que ela também não gostaria de estar ali.
Depois, dei um passo além e pensei em como as pessoas podem se proteger nestes tempos loucos para que sua imagem não seja usada após a morte para alavancar uma marca ou causa da qual não gosta. Elis, coitada, nem teve chance de refletir sobre isso. Eu, por exemplo, não gosto nem de usar roupa com marcas muito expostas. Sabe-se lá o que andam fazendo por aí, mesmo que ostentem mil selos de ESG.
Certo. Os filhos têm direito legal de usar a imagem dos pais falecidos, mas é preciso deixá-los cientes do que não fazer. Conversando sobre isso com o presidente da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), Felipe Pierozan, chegamos à conclusão de que este debate está apenas começando. Regras novas surgirão. Enquanto isso, a vontade da pessoa pode ser registrada em contrato ou mesmo no testamento, registrado em cartório.
A Volks, óbvio, conseguiu o que queria: "causar", apostando que os prós serão maiores do que os contras. Eu criei rejeição, mas nem sei se estou na estatística que interessa à montadora. Em tempo, acho que a inteligência artificial trará benefícios incríveis para economia, saúde e educação. Mas é importante ter limites, respeito e muito - mais muito - bom senso.
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
Leia aqui outras notícias da coluna