O abandono é a penúria maior. Abandonar é ignorar, ser cego ao que é visível. É não sentir o que se toca, é ver sem testemunhar, é não perceber nas narinas o cheiro do ar.
A cidade de Porto Alegre está assim – abandonada como se fosse traste incômodo a desprezar, e não nosso lar a manter e amar. Nos últimos 50 anos, com prefeitos de olhar medíocre, perdeu-se a visão da "civitas", lugar dos cidadãos, onde tudo deve ser humanizado, respeitado e amado. Após Loureiro da Silva, tudo tornou-se limitado. Dos nomeados pela ditadura aos eleitos pelo povo, faltou a percepção dinâmica de Otávio Rocha e Alberto Bins, ou de Ildo Meneghetti, Manuel Vargas e Leonel Brizola.
Políticos e politicoides, simpáticos catadores de votos ocuparam o paço municipal como grão-senhores medievais sentados no trono. Limitaram-se a remendar o traje furado. E surgiu a urbe desajeitada, com tudo feito a esmo, sem beleza nem planejamento, impregnada da feiura e violência que decorrem disto no trânsito e no dia a dia.
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Jamais, porém, a cidade esteve tão abandonada como agora. Não há sequer capina nas ruas. Na Praça da Matriz, a macega tem a altura de uma criança. A seguir assim, governador e deputados vão esconder-se ali, com tudo o que nos ocultam. E sem ver o visível "crack" e outras drogas, vendidas à frente do Palácio, da Catedral, da Assembleia, e da sede cultural do Ministério Público. Nas ruas, buracos disputam torneios de desleixo com as crateras do DMAE, por onde milhões de litros de água potável jorram pela sarjeta, há meses.
Sujamos os rios com pestilências, logo tratamos a água retirada dos piores recantos do Guaíba e o desleixo vira crime: joga-se fora o líquido purificado num processo longo e caro…
Já não há subprefeitos, que antes inspecionavam cada ruela? Onde estão os vereadores, que deviam assessorar e vigiar coisas concretas sem perder-se em discursos ocos, como num arremedo do palavrório de Brasília?
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O Mercado Público continua como após o incêndio de 2013. O anterior prefeito telefonava à Fifa na Suíça, cada semana, tratando das "obras da Copa" de 2014 (que nunca concluiu), mas não via o mercado queimado e interditado, ao lado. O sucessor o imita, sem ver também que, desde 2013, a vital Avenida Farrapos se interrompe na ida ao aeroporto.
Que cada um fixe o olhar. No inventário do abandono, a conclusão é dilacerante: o Rio Grande segue igual, ou até pior, tal qual o Brasil. Só varia a posição de nossos olhos no mesmo abandono.