* Jornalista e escritor
O criminoso poder dos grandes figurões da política e da economia mostra, enfim, seu rosto profundo. A cara atrevida parece sair de um romance de terror, imaginado por um surrealista genial mas doentio.
Os envolvidos parecem inventados, vestidos com uma fantasia tão grotesca que lembram uma caricatura. E tão caricata que nem o Iotti, aqui ao lado, se animaria a desenhar, pois iria além do razoável.
Como imaginar um presidente da República que, em conversa com velho comparsa na calada da noite, mande que continue entrando pelos fundos do palácio, para não ser identificado?
– Sempre pela garagem, viu… –, advertiu Michel Temer a Joesley Batista, em sussurro, ao final da conversa iniciada às 10 da noite em março e, hoje, estopim de algo inimaginável: o presidente da República investigado pela Polícia Federal e denunciado ao Supremo Tribunal pelo procurador-geral de Justiça!
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Além de governar, o presidente é chefe de Estado, modelo de sensatez à nação e a todos nós. Mas que modelo é este, que manda um emissário "de estrita confiança" receber uma mala com R$ 500 mil, propina semanal em troca do silêncio do presidiário Eduardo Cunha, a ser pago por 30 anos?
Pela primeira vez no Brasil, o conluio entre os grandes da política, economia e finanças mostra sua podridão. O "mensalão" foi o início. Agora, a Lava-Jato e outras lavagens (como a do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, do PMDB) revelam o monstro voraz que domina a área partidária. E falta muito ainda!
A Procuradoria Geral da República já não é um apêndice dos apetites do Executivo. Rodrigo Janot comanda jovens procuradores que penetram nos labirintos do horror, abrindo caminho a que juízes como Sergio Moro condenem grandes criminosos que, por décadas, se ocultaram no poder do dinheiro ou na máquina estatal.
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Agora, ao se defender do indefensável, Michel Temer fez uma acusação contundente: também no seio dos procuradores há lama e corrupção.
Citou um deles, Marcelo Miller, especialista em "delação premiada", que deixou a função e, logo, virou advogado de Joesley e Wesley Batista. A peso de ouro, preparou as delações premiadas dos irmãos da Friboi, utilizando os caminhos e subterfúgios aprendidos como procurador para favorecer notórios delinquentes, enriquecidos à custa da corrupção de políticos e altos funcionários. O ex-procurador preparou a artimanha da gravação, em que Joesley traiu o velho e íntimo comparsa Michel para, preventivamente, livrar-se da prisão.
Nessa noite de março, Joesley conta a Temer que tem um procurador "no bolso", que lhe antecipa tudo e o presidente da República comenta "ótimo", em aprovação. Não era Marcelo Miller, mas outro, e o próprio Janot admitiu, então, que o crime organizado rondava também aqueles que devem desbaratá-lo.
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A gangrena é vasta e se alastra pela leniência das leis e regulamentos do funcionalismo público. Não só procuradores viram advogados de velhos réus. Ex-ministros de tribunais superiores (com régias aposentadorias) tornam-se consultores ou advogam para suspeitos de corrupção.
Será ético e moralmente admissível?
Às vésperas da indicação do futuro procurador-geral, Temer (junto com os ministros Padilha e Moreira Franco, do PMDB, réus na Lava-Jato) jantou na casa de Gilmar Mendes, ministro do Supremo e crítico feroz da atuação de Janot e da Procuradoria no combate à corrupção. A reunião, quase em sigilo, não constou da agenda presidencial.
No dia seguinte, Temer indica Raquel Dodge, ligada a Gilmar, tida como menos rígida que Janot e segunda colocada na escolha dos procuradores, contra a velha norma de nomear o cabeça da lista…
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A denúncia de Janot só será julgada pelo Supremo se a Câmara dos Deputados o permitir, algo improvável, num Parlamento mais interessado em mesquinhas benesses do Executivo do que no futuro da Nação. O primeiro indício: os deputados nem sequer ouviram a leitura da denúncia, feita numa sessão de mentirinha com plenário vazio.
A maioria saiu antes, por onde fosse, até pela garagem…
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