O que é mais maligno – a peste ou a gangrena?
No horror em que os políticos transformaram a política no Brasil, fazendo dos partidos meros grupos de assalto associados a grandes empresas, o funesto não é sequer o milionário roubo escancarado. As confissões minuciosas dos dirigentes da Odebrecht sobre como subornavam ou eram chamados a corromper, mostram algo mais brutal.
Ali está a perversão surgida da peste e disseminada como gangrena. Praticamente todos têm as mãos sujas e os bolsos cheios, e o perverso é a consequência disso. Grupos que se dizem "partidos políticos" mas agem como bandos criminosos podem reverter o caos?
Todos os ex-presidentes da República ainda vivos – Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma – além do atual em pleno cargo, aparecem nas "delações premiadas" como favorecidos por formas de suborno direta ou indireta. Também Temer figura entre os suspeitos e só não será investigado porque a lei preserva o presidente de ser responsabilizado por atos anteriores ao cargo.
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Dois ex-candidatos presidenciais, Serra e Aécio, mais oito atuais ministros, 29 senadores, 42 deputados federais (até os presidentes do Senado e Câmara) e nove governadores serão investigados também, além de ex-prefeitos das duas maiores capitais. Quem se salva?
Este horror resume a perversão que espalha a peste pela área partidária, sob o impulso do setor privado. Se a ética nos guiasse, os suspeitos deixariam seus postos (em licença, pelo menos) até tudo se decidir. Mas quem nos governaria, então? Quem sem mácula escolheríamos num organismo degradado e prostituído?
As novas confissões mostram a dimensão de um imenso império privado formado no assalto ao dinheiro público através do suborno. Feitas em tom tranquilo, como algo "normal", as delações desvendam o horror profundo, revelando que a política verdadeira não está onde diz estar. Não está nos governos, ministérios, parlamentos, manifestos ou discursos dos políticos. Tudo isto é mera simulação.
Entre nós, a verdadeira política está nos subterrâneos da corrupção.
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Quando a Odebrecht revela que pagou mais de R$ 451 milhões aos políticos em subornos por contratos de obras ou por "medidas provisórias" e leis arrancadas ao Parlamento, aí está apenas parte da tragédia. Nessa soma não se incluem os R$ 40 milhões para "as necessidades" de Lula da Silva após deixar a Presidência da República, em "recompensa" pelos obséquios recebidos no poder. Nem o que Fernando Henrique pediu e o patriarca Emílio Odebrecht deu ao PSDB nas eleições de 1994 e 1998. Nem as "doações legais", que os subornados desfraldam como honestas bandeiras "aprovadas pela Justiça Eleitoral".
Até aqui, o núcleo da corrupção desbaratada na Lava-Jato tinha o Partido Progressista (PP) no comando. A avalanche de delações mudou o panorama. Agora, PT e PMDB surgem na crista. Os então ministros Palocci e Guido Mantega agiam pelo PT nos tempos de Lula e Dilma. A partir da candidatura de Temer a vice-presidente em 2010, Eliseu Padilha e os hoje notórios Eduardo Cunha e Henrique Alves (que, depois, presidiram a Câmara Federal) obtiveram cifras ainda mais altas para o PMDB.
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Os políticos alegam que receberam "doações legais", não as da sub-reptícia caixa 2, dadas e recebidas em segredo. Se for verdade, é também nojento. Amarra por igual o político que recebe ao doador que dá para corromper.
O aspecto "legal" não muda o fim de obter "recompensa" pelo favor prestado. Imoral é a doação empresarial em si.
Ou, aqui no RS, terá sido por "opção doutrinária" que a Odebrecht doou, ao mesmo tempo, a Onyx Lorenzoni, do direitista DEM, à comunista Manuela d´Ávila, a Germano Rigotto, do PMDB, a seis nomes do PP e a Maria do Rosário, do PT? Ou, também por doutrina, repartiu entre Eliseu Padilha, do PMDB, e Marco Maia, do PT (além do então ministro Paulo Bernardo), os 2,5% da propina pelos R$ 980 milhões da ampliação do nosso Trensurb, antes orçado em R$ 323 milhões?
O perverso da peste é que a mesma gente continuará aí, com outros nomes, numa gangrena expansiva e infinita!
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