Menstruar todo mês é fenômeno moderno. As mães de nossas bisavós, nascidas um ou mais séculos atrás, casavam com 15 anos, começavam a menstruar aos 17 e já engravidavam. Tinham oito, 10 filhos que as impediam de ovular por nove meses e por boa parte do período de amamentação.
No fim de uma vida reprodutiva que começava tarde e terminava ao redor dos 40 anos, o número de menstruações ficava entre 50 e cem.
Por razões mal conhecidas, na mulher moderna a menarca ocorre em média aos 12 anos e a menopausa vem depois dos 50. Com taxas de natalidade decrescentes, mulheres com um ou dois filhos menstruam cerca de 400 vezes.
O desinteresse secular da medicina por uma condição que traz dor, sofrimento e humilhações, que podem durar décadas em metade dos seres humanos, explica a falta de conhecimento, de pesquisas e de opções terapêuticas.
O sangramento da mucosa uterina, no entanto, não acontece de repente, por capricho cíclico da natureza. É precedido pela ação de uma rede de hormônios com interações de alta complexidade. Como são liberados na corrente sanguínea, eles agirão em todos os tecidos do corpo em que existam células com receptores aos quais possam se ligar, característica encontrada em ossos, cartilagens, músculos, coração, intestinos e outros órgãos internos; entre eles, o cérebro.
A multiplicidade de ações explica os sintomas relacionados com o ciclo menstrual: dores pélvicas, obstipação, dolorimento nas mamas e distúrbios emocionais, entre outros que afetam a saúde física e mental.
Cerca de 75% das mulheres têm a rotina de suas vidas prejudicada por transtornos pré-menstruais, menosprezados pelos médicos e pela sociedade, interpretados como manifestações de TPM, sigla que serve de pretexto para estigmatizar e pôr as mulheres em posição de inferioridade no trabalho, na vida familiar e nos relacionamentos afetivos. A pressão resultante faz da menstruação um segredo que não pode ser compartilhado sequer com os mais íntimos.
Os livros de medicina consideram normais ciclos com duração de 24 a 38 dias, com períodos de sangramento uterino de até oito dias. Essa faixa de normalidade, entretanto, nem sempre corresponde à percepção da mulher que enfrenta desconfortos intensos e embaraços sociais provocados pelas dores, alterações de humor e imprevisibilidade do sangramento.
A ignorância da sociedade e de boa parte dos médicos em relação a esse aspecto fisiológico do organismo feminino leva à depreciação das queixas e do sofrimento. É "coisa de mulher", como dizem. O descaso mascara condições patológicas como a endometriose e o transtorno disfórico pré-menstrual.
A endometriose se instala em 5% a 10% das mulheres em idade fértil. É uma das causas de infertilidade, de agravos mentais e de dores pélvicas tão fortes que as levam às unidades de pronto atendimento para receber analgésicos potentes.
Por ser "coisa de mulher", o diagnóstico costuma demorar décadas ou nunca ser feito, mesmo porque depende da realização de ultrassons especiais, que não são solicitados nas consultas de rotina.
Imagine, caríssima leitora, o descrédito de médicos, colegas de trabalho e familiares ao tratar da mulher com queixas de dores incapacitantes, mas que tem ultrassons normais.
O mesmo acontece com o transtorno disfórico pré-menstrual, que aflige cerca de 5% da população feminina. Trata-se de uma condição neuroendócrina com sintomatologia que inclui distúrbios psiquiátricos: depressão, crises de ansiedade e aumento do risco de suicídio, conforme demonstram os dados estatísticos.
Para completar o cenário, a falta de treinamento e de sensibilidade dos profissionais de saúde causa desconfiança e afasta as pacientes dos profissionais que poderiam ajudá-las.
O desinteresse secular da medicina por uma condição que traz dor, sofrimento e humilhações, que podem durar décadas em metade dos seres humanos, explica a falta de conhecimento, de pesquisas e de opções terapêuticas. Além da contracepção hormonal, pouco temos a oferecer.
O descaso é reflexo do valor que a sociedade atribui às dores das mulheres e do autoritarismo que os homens insistem em manter para subjugar os desígnios do corpo feminino.
Caro leitor, imagine se você, eu e todos os outros sentíssemos cólicas e passássemos pelos constrangimentos sociais e alterações do psiquismo que as afligem todos os meses. Aceitaríamos com passividade a resposta de que nada pode ser feito porque é coisa de homem?