Desde Pelé, nenhum outro jogador brasileiro foi capaz de produzir tanto encantamento quanto Ronaldinho. É por isso que Maradona o reverencia até hoje, assim como Messi segue dizendo que aprendeu a cobrar faltas com ele, além de manter contato regular. Os defensores do futebol só de força perderam um argumento. Alguém, de fato, conseguia aliar arte e competição. Não havia, necessariamente, incompatibilidade. A jogada genial e o drible recém inventado passaram de circo inútil a taça no armário.
Lembro de quando descobri um vídeo, anos depois globalizado pela Nike, no qual Ronaldinho jogava futsal no time da Procergs, aos 10 anos, igualzinho ao seu auge no Barcelona. Os mesmos dribles, arrancadas, até o jeito de comemorar gol era igual. Parecia que ele nascera sabendo, sem ter de aprender nada, como se eleito por uma divindade. Dias antes, eu tinha ido conferir um treino da base para checar as maravilhas que falavam dele. Vamos combinar que frases do tipo "tem um moleque base que tu vais ver só" chegam até nós todos os dias. Voltei, chamei o David Coimbra, editor de esportes à época e disse:
— Esquece tudo o que viste até agora. Temos de fazer alguma coisa diferente, pois estamos diante de toda a diferença.
Qualquer um que o visse tocar na bola uma só vez chegaria à mesma conclusão que levei ao David. Foi quando comecei a tomar contato com o universo do craque mais óbvio de todos os tempos. Imediatamente, o David convocou uma reunião e me nomeou "setorista de Ronaldinho". Anos depois, entrevistei-o em Castelldelfs, nos arredores de Barcelona, onde moravam boa parte das celebridades do Camp Nou. Fui acompanhar as gravações de um documentário da NHK, espécie de BBC japonesa.
Além de destrinchar a vida dele desde a infância, a ideia era gravar na câmera mais lenta possível o "elástico", uma de suas especialidades. O passo seguinte seria um tutorial, que evoluiria para um método de ensino. Em breve, as crianças japonesas dariam um "elástico" melhor que o do Rivellino, o inventor do drible. O filme correu o mundo, mas o elástico continua acessível só a meia dúzia de jogadores.
Ronaldinho inspirava iniciativas do gênero (sobretudo em peças de marketing), tal a sua genialidade. Lá em Castelldelfs, pedi a ele que pegasse a Bola de Ouro da Fifa, para uma foto. Ele gritou, do alto da escadaria, chamando-o a irmã, Deisi, que estava no andar de baixo:
— Deisiiiii! Cadê o prêmio da Fifa?
Essa alienação acordada com a família, para que ele se dedicasse só ao futebol, pode ter criado uma bolha que impediu Ronaldinho de virar a página na aposentadoria. Um homem de 40 anos tem de ser responsável sobre seu nome e atitudes. Seria bom para todos que o caso dos passaportes falsos, no Paraguai, não passe de um mal entendido medonho. Ou, no mínimo, que não haja dolo. Só a investigação dirá. Seria uma pena ver o tamanho de Ronaldinho na eternidade do futebol mundial tisnado por um episódio do gênero.