Nós, gaúchos, somos estranhos. Há quem critique Renato por zunir para o Rio de Janeiro a cada período disponível no Grêmio, como se isso indicasse alguma negligência profissional. Ou prova de infidelidade. Um filho desnaturado da pátria modelo a toda terra. Eu, que passo férias lá, empresto-lhe minha solidariedade. O Rio é a prova de que o brasileiro não se entrega, além de ser bem mais legal do que Tramandaí.
Outra unidade da federação já teria sumido do mapa com tantas barbaridades. O Rio, não. O Rio é o Brasil. Só não é capital até hoje graças ao devaneio de Juscelino Kubitscheck, que inventou o ponto de partida da República das Empreiteiras e seus esquemas de corrupção que saqueiam o país há mais de meio século: Brasília. Portanto, só o que pode tirar Renato do Grêmio é sua paixão pelo Rio.
O fato de Renato ter uma relação especial com o Flamengo não seria o motivo principal para uma eventual saída. Se isso fosse verdade, ele jamais teria treinado o Fluminense ou o Vasco, como se sabe que nunca treinará o Inter. Renato é gremista. Não é flamenguista. Só que, no patamar atingido por Renato, o único à sua altura no Rio, hoje, é o Flamengo. Fluminense, Vasco e Botafogo estão falidos.
Pelo que fez no Grêmio nos últimos dois anos, Renato entra nos planos de qualquer clube, mas é difícil imaginá-lo margeando o Tietê ou colocando "i" no meio de cada palavra, em São Paulo.
O maior inimigo do Grêmio para mantê-lo, portanto, não é o Flamengo. Nem o salário. Pelo retorno que dá, o que ele pedir é barato. Além do mais, se dinheiro fosse o problema, Renato já estaria jogando futevôlei com os amigos em Ipanema após o Gauchão.
Lá no Rio, Renato não precisa viver enfurnado em um quarto de hotel. Em Porto Alegre, é cercado assim que sai na rua. Se vai tomar chope, não lhe dão sossego. Já os cariocas estão acostumados a celebridades. De uma moita, saem várias. Vivem numa cosmópole. Dão de ombros. Ou, ao menos, deixam o famoso comer o seu picadinho no Bartodomeu sossegado, em Ipanema, antes do autógrafo ou da selfie.
Mas, para azar do Grêmio, Flamengo é sinônimo de Rio de Janeiro. O que o Grêmio pode oferecer a Renato, além de um quarto de hotel, o pôr do sol do Guaíba e um passeio no Cisne Branco? Pode oferecer algo raro: segurança. No Grêmio, ninguém vai lhe puxar o tapete. Mesmo numa hipotética má fase, a torcida não pedirá sua cabeça. Romildo não o demitirá como a outro qualquer, não depois de, com ele, sair da fila de 15 anos e ser bi da Libertadores.
Como quase não tem vida pessoal em Porto Alegre, Renato vive o Grêmio intensamente. Só não se intoxica porque amor demais é vitamina, e não toxina. É do hotel para a Arena e da Arena para o hotel. Sabe tudo o que acontece, da fechadura não trocada na porta do CT ao último relatório médico ou de análise de desempenho do quarto reserva, passando pelo cardápio do almoço. No Grêmio, Renato não precisa se mover como se pisasse em ovos.
No Flamengo, nada o impediria de ser mandado embora na primeira sequência ruim. Não reproduziria a parceria com Romildo Bolzan, expressa naquele beijo na testa. E tem a Seleção. Se Tite perder a Copa América em casa, pensando com a cabeça dos cartolas da CBF, quem duvida de demissão é louco. Ficando no Grêmio, Renato terá estabilidade.
A chance de demissão até lá é zero. No Flamengo, quem descartaria tal abalo na carreira?
Para o futebol – e para o Grêmio, claro –, seria bom Renato emplacar o terceiro ano seguido. Depois de se manter por uma ou duas temporadas, o tabu a ser quebrado é a tal fadiga dos metais. Se os elencos se renovam, por que o desgaste é tão inevitável e intransponível assim? Na Europa há casos de décadas com o mesmo treinador, firmando e aprimorando um DNA de futebol.
Não acontecerá aqui. Nossa cultura não deixa. Mas quem sabe quatro ou cinco anos de um treinador em um clube grande?
O certo é que, entre o Grêmio e Renato, parece haver um só respeitável obstáculo. Ou tentação, para quem sabe viver a vida: o Rio. Que continua lindo, mas talvez não tão apaixonante para Renato como o seu Grêmio.