A vencedora da Copa do Mundo merece algum reconhecimento pela sua eficiência e ajuda do destino na hora de fazer gols, mas será lembrada como a mais medíocre seleção a erguer uma taça em 21 edições, desde que as delegações chegaram de navio a Montevidéu para a primeira vez, em 1930.
Só a beleza de uma derrota em sua trajetória pode salvá-la da condenação de habitar o limbo eterno entre os campeões, apesar da campanha invicta na Rússia. Não, o fuso não fritou as sinapses dos meus neurônios. Chegarei lá. Antes, voltemos ao lendário Estádio Luzhniki, aquele mesmo do ursinho Misha chorando no mosaico humano gigante, durante o encerramento da Olimpíada de Moscou, em 1980.
A França exibiu dois jogadores realmente diferentes contra a Croácia. Um deles, Mbappé. O outro, Griezmann. Na final que deu a segunda estrela à França, já que sair jogando dentro da marcação alta croata era perda de tempo, o goleiro Lloris dava chutão sem constrangimento. Mirava o meteoro de 19 anos, posicionado bem aberto na direita.
Eis aí a organização ofensiva francesa: balonismo no Mbappé. Pouco para um torneio que já teve campeões como o Brasil de 1970, a Argentina de 1986, a Alemanha de 2014 ou a a própria França, em 1998. O que faltou em bola sobrou para o seu grande craque: a sorte.
A França recebeu um gol contra incrível de presente logo no começo. Mandzukic nunca mais repetirá tal desgraça, que ainda por cima nasce de uma falta inventada por Griezmann. Ao que se sabe, ele não foi levado ao cadafalso da guilhotina por tão grotesca simulação. Se fosse Neymar, talvez o banissem do futebol. Qual o mérito da França neste primeiro gol? Nenhum, pois o vício de origem se sobrepõe à cobrança de Griezmann.
Enquanto isso, o empate da Croácia nasce de jogada ensaiada, terminando em uma bucha de estufar a rede, sucedendo trocas de passe, triangulações e finalizações sob a regência de Luka Modric e Ivan Rakitic.
O segundo gol francês, de novo, é obra do Sobrenatural de Almeida. A bola bate na mão de Perisic. Não é o pênalti de concurso. Ele foi estabanado. Se o argentino Néstor Pitana deixasse passar, mesmo com o auxílio do vídeo, muitos ficariam ao seu lado. E o que fez a França para merecer também este segundo gol, além de um escanteio mal cobrado? Nada. A propósito: haveria VAR se o lance não fosse em favor da poderosa França, e sim do pequeno país de 4 milhões de habitantes?
Os gols de Pogba e Mbappé nascem deste contexto. A Croácia teve de ir para o tudo ou nada. Cedeu terreno. E, com espaço, até América-MG e Vasco. A França quase perdeu para a Argentina mais bagunçada de todos os tempos.
É errado aceitar que a história seja contada pelos vencedores. A verdade nunca está só do lado vitorioso. Às vezes, inclusive, é a mentira que está, como hoje se sabe oficialmente acerca dos assassinatos perpetrados pelos governos militares. A Seleção de 1982 é reverenciada, 36 anos depois.
Pense em 1974. Agora diga a primeira palavra que te ocorre. Acertou: Cruyff. E segunda? Laranja Mecânica. Carrossel Holandês. Qual era mesmo o apelido da campeã, a Alemanha? Em 1954, restou o vice para a Hungria, mas é provável que um torcedor adolescente, em qualquer canto do planeta, saiba quem foi Puskas, mas seja incapaz de mencionar o nome de um só jogador alemão.
Mas, sim, o novo campeão tem um mérito: uma derrota. A decepção na Euro 2016, em Paris, antecipou o ingresso de Mbappé e dos jovens laterais Pavard e Hernández. Quatorze dos 23 campeões não estavam na final contra Portugal. Não fosse o caminho iluminado pela derrota, talvez não houvesse a segunda estrela. A feiúra daquela perda virou beleza para os franceses.
Tite terá de renovar a Seleção, como Deschamps após a Euro. Se deu certo com esta França medíocre, que murchou a história ao se intrometer em um título que, por justiça, tinha de ser da Croácia, há de se repetir com o Brasil. Então, a derrota para a Bélgica, hoje ainda tão amarga, se tornará doce.