O Cléber Xavier, auxiliar e cara-metade profissional do Tite no Seleção Brasileira, me avisa pelo celular sobre o texto do Daniel Alves, 34, que pode se tornar o jogador com o maior número de títulos de todos os tempos.
Seriam 34 taças, caso a Juventus vença o Real Madrid na final da Liga dos Campeões. Isso foi na quinta-feira. O Cleber estava entusiasmado, algo emocionado até. Contou-me que era um orgulho trabalhar com alguém assim. Fui conferir, e aí entendi melhor o sentimento do Cléber.
O relato saiu publicado no theplayerstribune.com, um site que reúne depoimentos não só de jogadores de futebol, mas de atletas de várias modalidades. O espaço, como o nome sugere, é mesmo uma tribuna, não raro trincheira na qual esportistas falam sem intermediários e amarras de qualquer espécie. O theplayers foi colocado no ar em 2014 por Derek Jeter, um jogador de beisebol que havia se aposentado 48 horas antes.
Três anos depois, já são mais de 1,2 mil publicações de atletas. O texto, no caso de Daniel Alves, talvez nem tenha sido escrito por ele, no sentido de se sentar diante do computador e digitar como se encarnasse Gabriel García Márquez, tal a qualidade. Mas pouco importa.
Trata-se de um relato, e pode apostar que é um relato verdadeiro, envolvente e emocionante. O título do artigo é sugestivo: Segredo. Descreve a infância pobre na Bahia, desnudando um típico sobrevivente brasilis. Um sujeito que não aceitou a sentença do destino de quase condenação à miséria para desafiar o impossível e chegar até este sábado.
Não cometerei o anticlímax de esmiuçar as confissões do lateral de Tite. Adianto apenas que as revelações acerca de sua saída do Barcelona são estrondosas, e aí está um dos motivos da viralização. O Barça tem torcedores no mundo todo. Tem também histórias com Messi, um grande amigo. Segredo, em suma, é sobre o exercício de recomeçar e de se reinventar quando ninguém mais acredita.
O que Tite e Cleber estão fazendo senão recomeçar quando o 7 a 1 e a manutenção no poder de uma CBF afundada em descrédito apontavam para o fim daquele futebol brasileiro protagonista do passado, inspiração admitida de Pep Guardiola? Lembremos que quando Dunga foi demitido, a chance de ficar de fora de uma Copa pela primeira vez era iminente e real. Seria o gesto simbólico de fechar a tampa do caixão.
A chance de dar errado, por mais talentosa que fosse a dupla Tite-Cléber, era enorme. Mas eles acreditaram. Daniel Alves se encaixa muito nesse enredo.
A ideia de reviver a história do futebol brasileiro não como um retrato mofado na parede, mas como algo vivo em constante adequação, é mesmo encantadora. Não se trata de acreditar em qualidade atávica, transmitida de pai para filho de pés descalços nas ruas do Brasil, um país abençoado por Deus e bonito por natureza.
Não tem a ver com romantismo bobo e a preguiça de achar que tudo está escrito nas estrelas. Não é nada disso.
Trata-se de crer, sim, no dom e na aptidão brasileira para a prática do futebol, mas respeitando a nova ordem. Nem o futebol italiano, como sinônimo apenas de defesa, existe mais. Ou você acredita que a Juventus de Mandzukic, Higuaín, Dybala (e Daniel Alves) só fecha a casinha e joga por uma bola? O Real Madrid galáctico de Zidane não tem vergonha alguma de entregar a bola ao adversário e apenas reagir, conforme andar a carruagem.
Os alemães agora driblam e trocam passes na velocidade da luz. Nada é simplório. Tudo é mais complexo. O talento para o futebol está no DNA brasileiro. É muito mais fácil surgir um craque brasileiro do que um japonês ou americano. Isso nunca mudará. Mas aquela magia do passado que motiva gênios da casamata como Guardiola só virá se esse talento se submeter aos rigores táticos propostos por Tite e Cléber.
Não faz muito que Daniel Alves, e olha que ele está longe de ser o solista de qualquer orquestra, era tido como a expressão da decadência verde-amarela no Barcelona. Mas ele acreditou. Reinventou-se.
Leia O Segredo. E entenda o entusiasmo de Cléber. Ali está a nova alma que Tite quer para a Seleção Brasileira.