Ele tem um pouco de guerreiro espartano. Não só nas finanças, ao fechar a torneira de gastos do Avaí, mas também por vencer uma batalha que parecia impossível. Francisco José Battistotti, 67 anos, 40 dedicados ao clube, assumiu no meio do ano passado, com a renúncia de Nilton Macedo. Era o seu vice. A torcida estava revoltada com o iminente rebaixamento também no Estadual.
O Avaí vinha de queda no Brasileirão 2015. Os portões da Ressacada amanheceram com pichações ameaçadoras: "Se Battistotti não sair, vai parar na UTI. Último aviso". A torcida exigia novas eleições. Ele ficou, o Avaí escapou, depois conquistou o acesso à Série A e, se vencer o Brusque em casa, neste domingo, abre sete pontos na liderança do Catarinense.
Nsta semana, Battistotti virou notícia com o milagre da multiplicação dos pães – quer dizer, dos salários. No meio desta crise terrível que trava o país, pagou 14º salário aos seus funcionários.
De onde surgiu a ideia de pagar 14º salário?
Assumi no ano passado, no dia 16 de abril. O Avaí estava numa situação difícil. A dívida era de RS 12 milhões. Só havia dois caminhos: subir no Brasileirão ou.... Nem sei. O Avaí não paga bicho, mas prêmio por objetivo. Reuni os jogadores e acertei que pagaríamos prêmio pelo acesso. Aí a coisa começou a acontecer.
E o salário extra?
Lá por novembro, quando o caminho de volta à Série A se desenhou, os jogadores acertaram entre eles como os valores seriam repartidos e me comunicaram. Mas os funcionários não entraram. Então tive a ideia, aprovada pela diretoria. Acrescentamos 10% sobre o valor da premiação e, assim, conseguimos contemplar os nossos servidores e ainda o pessoal da base.
Quanto custou ao clube esse 14º salário?
Cerca de R$ 350 mil. Futebol é união. As pessoas têm de estar comprometidas. A cozinheira, o vigia, o porteiro, o roupeiro da base, o motorista do ônibus: todos receberam um salário a mais.
A prática vai continuar?
Já combinei que, se formos campeões do Catarinense, o prêmio será dividido entre jogadores e comissão técnica, e nós completaremos um valor proporcional aos funcionários. Claro que as cifras do Estadual são menores, mas o que vale é o conceito de valorizar as pessoas.
É difícil encontrar um clube pagando em dia. A regra virou atrasar. E o Avaí?Pagamos na última terça-feira o 14º salário. Metade da premiação prometida aos jogadores entrou na conta deles no dia seguinte (quarta-feira). Os outros 50% serão depositados até 7 de março. No dia 10 do mês seguinte deposito a parte da carteira do salário e, no dia 27, o direito de imagem. Esse mês, inclusive, quitamos tudo com dez dias de antecedência. Você sabe como é: os jogadores se falam. Já sofremos demais com isso no passado.
Como assim?
O clube fechava o ano com salários atrasados, e aí era complicado contratar. Ninguém queria vir. Os jogadores buscam informações entre eles. O Avaí dispensava e deixava de pagar o que devia. O carimbo pegou. Esse ano não vai ter ação na Justiça no futuro: paguei tudo.Era grande o débito trabalhista?Fiz um acordo com a Justiça do Trabalho, o chamado Ato Trabalhista. Mensalmente, entra R$ 600 mil diretamente na conta da Justiça, via TED bancário. Será assim até quitar tudo.
E a dívida total, de R$ 12 milhões, como está?
Negociei parte para este ano e estiquei outro tanto para 2018. A ideia é entregar superávit ao próximo presidente.
Mas qual é a mágica?
Gestão financeira. Não pode gastar mais do que arrecada. Tem de levar isso a sério, doa a que doer, apesar das pressões para contratar com salário alto e gastar o que não tem com reforços. Temos teto aqui no Avaí: ninguém ganha mais do que R$ 50 mil. Se na hora de contratar o jogador ou seu empresário exigirem R$ 55 mil ou R$ 60 mil, não vem. Não adianta prometer e depois não pagar. É preciso reduzir a chance de erro na contratação, com informações buscadas por várias áreas do clube. Na CLT, se o funcionário não produz, você demite. No futebol, se o cara não jogar nada, tenho de ficar com ele pagando até o fim do contrato.
Quanto é a folha dos jogadores?
Com encargos, somando base e funcionários, R$ 1,1 milhão. Só os jogadores, 650 mil.
O senhor é vice-presidente da Primeira Liga. O que está dando errado?
Temos de sentar e conversar com a CBF. Reconheço as falhas. Sou crítico do processo todo do futebol, assim como o Romildo Bolzan, do Grêmio. Nós defendemos essa aproximação. Queremos mais datas. Pensamos em ter mais um gaúcho, além da dupla Gre-Nal e o Brasil-Pel. Outro é pleito é uma vaga na Sul-Americana. Brigar com a CBF não leva a nada. O tempo do ferro e fogo não existe mais.
A Copa da Primeira Liga é lucrativa?
Em três partidas da primeira fase, ela me rende R$ 650 mil. No Catarinense, ganho R$ 600 pelo campeonato todo. O Estadual dá prejuízo. Mas e o calendário inchado?É questão de dialogar e conversar para isso não acontecer.
Como está o prometido projeto de liga nacional?
Não vejo liga nacional de imediato. Calma: sem confronto agora. Vamos aos poucos. Não precisa ser um Clube dos 13 já. Podemos avançar em outras questões antes. Aqui em Santa Catarina, defendo diálogo com a federação para reduzir taxas. O custo para abrir a Ressacada é de R$ 40 mil. Criaram até taxa de registro de empréstimo de jogador, além do registro em si. Assim vão matar a galinha dos ovos de ouro.
Até onde vai o Avaí este ano?
A meta é permanecer na Série A. Quem sabe beliscar uma Sul-Americana. Pés no chão, gastando só o que tem. Vou fechar o meu mandato com superávit.