A moda agora nos Estados Unidos, na Europa e no Japão é as mulheres se casarem consigo mesmas. Sério. Tem até curso para isso. Elas passam três meses estudando como deve ser a cerimônia do enlace e o relacionamento que terão com elas próprias. Ao cabo dessa preparação, promovem a festa. Convidam amigos e parentes, gastam alguns milhares de dólares em decoração, comida e bebida, e cortam triunfalmente um bolo em várias camadas, como uma pirâmide asteca, tendo uma única noiva se equilibrando no topo.
Parece que esse ritual faz muito bem para a autoestima das nubentes.
Francamente, eu não me escolheria para casar comigo. Em primeiro lugar, porque conheço meus defeitos melhor do que ninguém, e eles me irritam. Fosse eu o meu próprio cônjuge, sei que nada do que dissesse me convenceria a mudar. Já tentei, neste longo tempo em que sou solteiro da minha pessoa, e não adiantou. Por que um casamento mudaria algo?
Tem outro problema: acharia estranho me chamar de marido de mim e mais estranho ainda me chamar de esposa. Você dirá que é o machismo entranhado em minh'alma, e concordarei: esse é um dos meus defeitos arraigados. Afinal, sou do IAPI.
É verdade que converso comigo mesmo e nós quase sempre concordamos. No entanto, muitas vezes, digo e faço besteiras, o que me leva a me repreender com rigor.
É verdade que, não raro, converso comigo mesmo e nós quase sempre concordamos. Ou seja: temos opiniões semelhantes, o que é importantíssimo em qualquer relação. No entanto, muitas vezes, digo e faço besteiras, o que me leva a me repreender com rigor. Está certo que quase sempre me perdoo, mas a desilusão já aconteceu: sei que não sou quem gostaria de ser.
Eu até me casaria comigo se eu fosse, por exemplo, a Irina Shayk. Nossa, como deve ser legal ser a Irina Shayk. Você não sabe quem é? Vá ao Google. Melhor: vá ao YouTube e veja a Irina Shayk em movimento. É a mulher mais linda do mundo. Você até pode dizer que não existe isso de mulher mais linda do mundo. É porque ainda não viu a Irina Shayk. Veja-a e diga se você não se casaria consigo se você fosse ela.
Bukowski, o velho safado, queria ser Arturo Bandini.
Arturo Bandini é personagem dos romances de John Fante. Quando brigava com alguma de suas mulheres e ela o insultava, Bukowski reagia gritando:
– Não me chame dessas coisas! Eu sou Bandini! Eu sou Arturo Bandini!
Isso me dá a certeza de que Bukowski se casaria consigo mesmo se por acaso ele fosse Arturo Bandini. Mas ele era Bukowski, o que talvez o desagradasse tanto, que bebia para esquecer. Não foram poucas as vezes em que bebi para me esquecer de mim.
Dos personagens da ficção é claro que eu preferiria ser o Capitão Rodrigo, bravo e alegre, amigo leal e inimigo aguerrido, solitário como o tigre e conquistador como o leão, um guerreiro cantante, que sacava do violão ou da guitarra com a mesma perícia e que, ao ser desafiado por alguém que julgava bom, ponderava:
– Um homem não briga debalde.
Sim, eu seria muito mais atraente, para mim, se fosse o Capitão Rodrigo.
Mas, como o Capitão Rodrigo só existe na literatura e Irina Shayk é mulher, sabe quem eu escolheria ser?
O Paulinho da Viola.
Paulinho da Viola tem a serenidade da sabedoria, é um homem de bem com a vida, que cuida da mulher, dos filhos e dos amigos com devoção. Paulinho da Viola trabalha com marcenaria nas horas vagas. Como deve ser bom trabalhar com marcenaria e fazer, para as pessoas, coisas realmente úteis, como uma mesa ou uma cadeira ou uma pequena caixinha de música da qual salta uma dançarina e faz uma menina sorrir. Mas o melhor, em ser o Paulinho da Viola, é que ele canta uns sambas macios e os canta sorrindo e, no maior deles, disse a frase que resume tudo o que sempre digo para mim:
"As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender".