Nunca pensei que diria isso, mas senti vergonha e tristeza ao andar pela Rua da Praia, dias atrás.
Antes, o que sentia era deslumbramento. Lembro de dezembros de anos dourados. Eu era guri e, nas vésperas de Natal, meu avô nos levava, toda a família, para passear na Rua da Praia. Íamos olhando as vitrines e nos encantando com as decorações das lojas, algo que só fui fazer de novo muitos anos depois, já adulto, na Quinta Avenida, em Nova York.
Minha mãe era professora do Estado. Eu e meus irmãos já sabíamos que, no dia em que ela recebia o salário, faríamos uma pequena caminhada da Praça Dom Feliciano até as Lojas Americanas. Lá, subiríamos a escada rolante, novidade no sul do mundo, e, no segundo andar, trincharíamos um sanduíche americano com suco de laranja. Nunca mais comi sanduíche igual. Um dia, minha irmã derrubou um manequim e quebrou uma vitrine. Fugimos correndo e rindo pela calçada.
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Mais tarde, na adolescência, eu ia à Rua da Praia com meus amigos, a fim de ver o desfile das meninas de minissaia. De certa forma, isso era uma tradição, porque já nos anos 1940 as moças faziam o trottoir para o fascínio dos rapazes que ficavam zanzando debaixo de seus chapéus pelo Largo dos Medeiros.
No Largo dos Medeiros, havia os cinemas elegantes e o requintado Clube do Comércio, onde Gilda Marinho jogava cartas e jantava filé malpassado com aspargos na manteiga. Mais acima, dobrando à direita, você podia ir à Confeitaria Matheus e comer uma empada de galinha quentinha, com café passado na hora.
A gente via de longe, na Rua da Praia, o grande relógio quadrado da Casa Masson, que, diziam, marcava a hora mais certa da cidade. O Grêmio foi praticamente fundado do outro lado da calçada, nos fundos da Galeria Chaves. Depois, bem perto dali, Grêmio e Inter mantiveram suas sedes em prédios contíguos, parede com parede. Mas os trechos de rua de que mais gostava eram a Galeria Malcon, onde sempre podia encontrar as semideusas bronzeadas que passavam o verão em Torres, e a Livraria do Globo, uma espécie de sede intelectual do Rio Grande do Sul.
Tudo isso que citei ou não existe ou está abandonado ou descaracterizado.
Andei pela Rua da Praia e o que vi foi sujeira e relaxamento. Como é que prefeitos e vereadores permitem que os camelôs se instalem na rua mais nobre do Estado? Será que não percebem que estão resolvendo o problema de algumas dezenas de vendedores ambulantes e prejudicando uma população inteira? O camelô, com suas bugigangas expostas em colchas na calçada, atrapalha a circulação e mata o comércio que paga impostos e gera empregos. O camelô é um crime contra a população mais pobre. É um crime contra a cidade.
E aqueles contêineres de lixo postados no meio da rua? E as calçadas esburacadas e depredadas? E as pichações? E a falta de segurança?
Será que prefeitos, o atual e os anteriores, e vereadores, os atuais e os anteriores, não sentem vergonha?
Deviam.
Deviam sentir o que senti: vergonha e tristeza. Tristeza porque eles, vereadores e prefeitos, permitem tamanho golpe na imagem, na memória e na alma de uma das regiões mais importantes da cidade. Vergonha por eles próprios. Pelo que não fazem. Pelo que deixam fazer.