Lá estávamos nós, eu e o Diana, frente a frente, prontos para disputar a sensacional final do campeonato de botão. Valia taça, eu nunca havia conquistado uma taça, não podia deixar passar aquela oportunidade, até porque o jogo se daria no meu campo, no chão de parquê lá de casa.
O Diana matou aula para jogar a final. Ele estudava no Gonçalves Dias, uma boa escola pública. Naquele tempo, havia ótimas escolas públicas – eu e todos os meus amigos só estudamos em escola pública.
A escola pública é a base de qualquer nação. Só se constrói um país de verdade com ensino fundamental e básico de qualidade, primeiro e segundo graus. Não é por acaso que a decadência da escola pública brasileira marcou a decadência do Brasil. Você aí quer ser presidente da República? Concentre-se em quatro pontos: escola pública, polícia, presídio e esgotos. O resto fica mais fácil.
Mas, como dizia, o Diana matou aula e fomos para a finalíssima. Acima de nós e do campo de jogo, a tacinha nos contemplava, do alto de um armário. Eu tinha de ganhar aquela taça!
Parti para o ataque. A melhor defesa é o ataque, dizia Telê Santana. E, como dizia Shakespeare, já reverenciado no começo deste relato, na guerra, o homem tem de se comportar como um tigre. E lá fui eu, todo dentes e garras, avançando com bravura de fera. Um a zero para mim. Dois a zero. Estava fácil. Olhei para a taça. A taça do mundo é nossa, com brasileiro não há quem possa.
O Diana, enquanto isso, se defendia e narrava o jogo. Era um Pedro Ernesto Denardin infantojuvenil, falava o tempo inteiro, e claro que do ponto de vista dele, dizendo que suas jogadas eram geniais e debochando dos meus erros.
Aquilo foi me irritando. Não posso perder para esse cara, pensei. Não posso! Tentei me acalmar. Compreendi que, se deixasse a irritação tomar conta de mim, me desconcentraria e acabaria perdendo o jogo. Assim, decidi que seria sereno, seria ponderado, seria cauteloso e ganharia aquele jogo (e a tacinha!) com inteligência.
Que grande erro, jogar com inteligência...
Naquele exato instante, o Diana marcou um gol. O súbito revés, ocorrido justamente quando eu queria ser inteligente, me perturbou: será que estava fazendo o certo? Será que não devia voltar a atacar como um tigre?
O momento de dúvida arrancou-me um naco de naturalidade, a ficha não parecia firme na minha mão, o Diana continuava se gabando e debochando sem cessar e me irritando e, de repente, PÁ!, gol dele. Jogo empatado.
Olhei outra vez para a tacinha. Tomei fôlego. Vamos lá! Vamos lá! Tigre! E me atirei com volúpia ao jogo. Mas já tinha me desconcentrado, o Diana se aproveitou e fez o terceiro. Ah, não! Ah, não! A taça! Quero a taça! Resolvi arriscar um chute de longa distância com meu craque Lagreca:
– A gol!
Ele ajeitou o goleiro.
Bati de revesgueio, assestando a ficha no cantinho do Lagreca.
GOL!
GOOOOOOOOOOOL!
A taça do mundo é nossa!
Mas ainda não era, ainda estava empatado e faltava pouco para o fim. Eu era o melhor. Eu tinha de vencer. Vamos lá, Lagreca! Vamos lá, meu craque! Faltando um segundo, talvez menos, não sei, ele, o Lagreca, tinha a oportunidade de fazer o quarto. Era um tiro frontal, em geral eu dava uma cavadinha com a ficha e o Lagreca metia por cima do goleiro. Mas resolvi que não permitiria chance de reação do inimigo. Chutei com força. A bolinha bateu no travessão e voltou rodando e rodando continuou por entre nossos botões de duas e três camadas e, quase desmaiando, entrou no meu gol.
Gol do Diana.
A taça era dele.
Nesta semana, falei com o Diana pelas redes. Ele contou que ainda tem a tacinha guardada em algum lugar, que ela está deteriorada, mas resiste. Decidi que vou desafiá-lo para outro jogo. E, desta vez, serei quem sou, não mudarei em meio à disputa. Um tigre não pode deixar de ser um tigre.