Chegou um momento da vida em que desisti do café com leite. Até então, era um entusiasmado apreciador. Minha fórmula infalível constituía-se de oito partes de leite e uma de café, invariavelmente. O problema é que o café nunca era feito da mesma forma. Às vezes, vinha ralo, quase água; às vezes, fortíssimo, de se sentir o pó na língua. O leite também. O leite nunca foi de confiança, nesse país tropical. Assim, preparava o meu café com leite segundo os rígidos critérios do sistema por mim desenvolvido, e o resultado era sempre diferente. Minha fórmula infalível falhava.
Desiludido, abandonei o café com leite. Prometi a mim mesmo que só retomarei aquele hábito quando passar de novo por um local que frequentava amiúde, no começo dos anos 1990: a Praça do Imigrante, em Novo Hamburgo.
Um colorado que tenha lido o nome dessa progressista cidade, Novo Hamburgo, estremecerá e dirá que estou querendo homenagear o Noia, campeão gaúcho pela primeira vez. É verdade, é o que farei, mas de forma lateral. Não darei minha opinião sobre o jogo. Não direi, por exemplo, que o Noia foi campeão por seus méritos óbvios, sim, mas também pela falência do principal jogador do Inter, D'Alessandro, na partida final. Não direi que D'Alessandro jogou tão mal, que, antes de ele bater o pênalti, sabia que ia errar. Não direi que 80% do Inter é D'Alessandro.
Não.
Direi que na Praça do Imigrante há quiosques que vendem um acepipe único: pão caseiro com nata, schmier e linguiça, regado a café com leite, e não um café com leite comum, mas, apenas, o perfeito. Aquele café com leite era como o que sempre preconizei. No princípio dos anos 1990, quando trabalhei em Novo Hamburgo, sempre dava um jeito de passar no centro da cidade para me repimpar com essa delícia.
É comida típica de descendentes de alemães. Meu avô adorava essas misturas contraditórias de salgado com doce, e meu avô tem muito a ver com Novo Hamburgo: foi em Hamburgo Velho que ele, aos 10 anos de idade, amassou para sempre o dedo indicador da mão direita, ao trabalhar no torno de uma fábrica de sapatos.
Conheço algo dessa cidade, pois. Sei que vive dois tormentos: a proximidade sufocante com Porto Alegre e o corte que lhe faz no meio do peito a BR-116.
A estrada está para Novo Hamburgo como o Sena para Paris: tudo acontece do lado de lá ou do lado de cá, à esquerda ou à direita. Mas o Sena é um charme, os casais amarram cadeados nas grades da Pont des Arts, enquanto o Bateau Mouche singra suas águas turvas, rumo à nobilíssima Île de Saint-Louis. Se você observar bem, verá, sobre uma de suas pontes, o famoso jornalista Dinho com uma garrafa de tinto em uma mão e uma baguete em outra. Ao lado dele estará, talvez, Luis Fernando Verissimo ou Chico Buarque ou alguma morena extraordinária.
A BR, não. A BR não é como o rio. A BR tem carros zunindo em cima do asfalto quente e fumaça cinza soprada pelos escapamentos. Esse é um drama de Novo Hamburgo.
O outro é que Porto Alegre, como um buraco negro, suga todas as atrações da vida mundana para o seu campo gravitacional, e Novo Hamburgo termina se tornando satélite, quando poderia ser sol.
Mas agora, não. Agora, com a vitória do Noia, Novo Hamburgo tem um encanto a mais, Novo Hamburgo ganha personalidade. Por isso, vou mudar os planos. Logo estarei na Praça do Imigrante. Logo estarei experimentando, outra vez, pão caseiro com schmier, nata e linguiça. E o café com leite perfeito. Café com leite, atenção: estou voltando.