Estava em um hotel em Nova York, paguei a conta e, como tinha mais algum tempo antes do horário do ônibus para Boston, deixei as malas na portaria a fim de ir almoçar. Na volta, ao pedir as malas, um mensageiro se apresentou para buscá-las. Era o chamado "baita negão", um tipo com altura para jogar nos Knicks. Retornou carregando facilmente todas as malas e as depositou na minha frente. Agradeci e já ia saindo, quando ele avisou:
– We work for tip.
Nós trabalhamos por gorjeta.
Tirei uns trocados do bolso e estendi para ele.
Não poucos profissionais trabalham apenas pela gorjeta nos Estados Unidos. Isso significa que não recebem salário. Vivem do que lhes deixam os clientes. Entre esses estão os garçons. Há garçons que ganham salário, há garçons que ganham meio salário e há garçons que não ganham salário nenhum. Em alguns restaurantes, a gorjeta do garçom sustenta uma equipe inteira: parte vai para o principal garçom da mesa, parte vai para a moça que serve água quando você se senta, parte vai para a que conduziu você da porta de entrada até o seu lugar.
Você pode não dar gorjeta, se ficou descontente com o serviço, mas, em geral, todo mundo paga entre 10% e 20% da conta.
Um brasileiro talvez ache que esse é um sistema escravista. Não é. Os garçons ganham bem, tanto que você encontra muitos americanos fazendo esse serviço. Em outras áreas, como a construção civil, há quase que só trabalhadores latinos.
Já no Brasil, dias atrás, Temer sancionou lei que regulamenta a gorjeta dos garçons. Vale para os estabelecimentos que cobram 10% da conta como taxa de serviço. Agora, 80% deste valor tem de ir, obrigatoriamente, para o garçom.
Bem. Se existe um profissional que respeito e admiro é o garçom. Tornei-me amigo de vários. Uma vez, nosso time de futsal jogou contra os garçons dos bares da Fernando Gomes. A partida se deu depois do horário de trabalho deles, às 3h da madrugada, numa quadra perto da Farrapos. Ganhamos de 17 a 4, talvez porque o adversário estivesse cansado, mas nem conseguimos festejar a vitória a contento, porque nossas mulheres e namoradas não acreditaram que estivéssemos jogando bola naquele local, àquela hora. E nós apenas praticando esporte...
Mas o que queria dizer é que essa nobre atividade, a do garçom, de certa maneira resume as diferenças entre os sistemas de trabalho no Brasil e nos Estados Unidos.
No Brasil, até a gorjeta é regulamentada. Nos Estados Unidos, em muitos lugares nem salário eles têm. Mas os brasileiros atravessam o Rio Grande a nado e arriscam a vida para trabalhar como auxiliares de garçom nos Estados Unidos. Como se explica isso?
Tentarei explicar com o exemplo de outros profissionais não acadêmicos, como domésticas, eletricistas e hidráulicos. Houve dois momentos do Brasil em que esses trabalhadores alcançaram bons rendimentos e chegaram a escolher quem atender: nos anos 1970, durante o governo Médici, e nos anos 2000, durante o governo Lula.
Isso aconteceu porque, nesses dois períodos, a economia cresceu. Eis o busílis. Não há nada mais proveitoso, para o trabalhador, do que a concorrência entre os seus prováveis patrões.
Nenhum regulamento, por mais bem-intencionado e inteligente que seja, ajudará de fato o trabalhador brasileiro se a oferta de emprego for escassa. O que ajudará o trabalhador brasileiro é o emprego em abundância. É esse bem que tem de ser conquistado e assegurado no Brasil. Esse é o mantra que temos de repetir: não há nada mais importante, para o trabalhador, do que o trabalho.