Bem na minha frente, no café, havia um casal misto. Por misto, que digo, é a composição formada por um americano e uma latina. Como sei quem era o quê? Fácil: ele falava um espanhol vacilante e um inglês confiante, ela falava um inglês vacilante e um espanhol confiante.
Comunicavam-se assim mesmo, misturando idiomas, num esforço de compreensão que deve ter marcado o namoro. Dizem que a melhor forma de aprender uma língua nova é entre lençóis. Não sei. Suponho que, dependendo da professora, deva ser pelo menos a forma mais agradável.
Pensando nisso, ocorre-me que gostaria de aprender russo.
Mas, voltando ao casal no café, conto que o biótipo dela também era característico da América espanhola. Uma morena-jambo de boca de bergamota poncã; esguia, mas voluptuosa; uma beleza rústica, de mulher acostumada a sentir o vento nos cabelos e o sol no dorso.
Já o americano, não. O americano nada tinha de americano clássico. Não era nem loiro, nem tinha olhos azuis, tampouco podia ser considerado alto. Talvez até fosse mais baixo do que ela. E usava óculos. E seu cabelo seria classificado pela minha avó como "ruim". Era o que ela me dizia:
– David, tu tens cabelo ruim.
Não estava feliz, aquele americano. Ao contrário, qualquer um que os observasse perceberia a aflição dele. Mas acho que só eu observava, brasileiro enxerido que sou. Os outros clientes do café estavam absortos em suas atividades. Aliás, esses cafés americanos são intrigantes. Todos têm wi-fi liberado. Então, o sujeito entra com sua pasta e seu laptop, pede um café, acomoda-se a uma mesa e permanece a tarde inteira lá, trabalhando ou estudando. O cara gasta US$ 3 e ocupa uma mesa por quatro horas. Tem gente que faz reunião de trabalho no café, por Deus. E ninguém reclama. Mas, se você está jantando num restaurante, pronto para despender US$ 120, mais a gorjeta, assim que a refeição termina, o garçom chega e coloca a conta na mesa.
Vá entender...
Então, neste café, cada um se ocupava dos seus assuntos. Uma moça passava o indicador no celular, outra digitava num laptop, outro rapaz lia um livro, um velho folheava o jornal, o casal misto discutia a relação e eu olhava para eles.
Ele chegava perto do desespero e ela se situava em algum lugar vago entre a indiferença e o desprezo.
Eu pegava pedaços de frases no ar e as regava com meu cappuccino como se fossem donuts.
Ele implorava, ele era um verme. Nós, homens, se contraímos essa doença, que é a paixão, nós, homens, nos transformamos em vermes. A mulher pressente essa mutação e aí, para ela, é a glória. Ela sente prazer em fincar o salto 15 do scarpin no seu coração, ela quer amassá-lo, humilhá-lo, espezinhá-lo. Ah, ela adora isso!
E você também.
Como bom verme que é, você quer rastejar aos pés dela. Se você for promovido e se transformar em vira-lata, você quer arfar e balançar o rabinho cada vez que ela afagar a sua cabeça oca.
Era nessa situação humilhante que se encontrava aquele americano, quando ela disse o que disse, e jamais esquecerei, porque foi uma frase forte.
Qual?
Contarei amanhã.