O que aquela morena disse para aquele americano tem-me feito pensar. Fará o mesmo a você.
Como contei ontem, tratava-se de morena longilínea, porém quase opulenta. O americano não passava de um rato, com a aparência de um rato, comportando-se como um rato. Ela o ouvia com imenso fastio, os olhos semicerrados, do peito às vezes saindo um suspiro de resignação.
Eu, na mesa ao lado, no café, acompanhava o diálogo como podia. Não conseguia entender tudo, eles falavam meio que para dentro, ele mais gemia do que falava, ela mais grunhia do que respondia.
Ele implorava.
Tenho certeza de que implorava.
Até que ela falou aquela frase. Tão poderosa, tão contundente, que, mesmo tendo sido ouvida apenas por mim e pelo infeliz americano, o tempo se cristalizou ao redor, tudo ficou parado e quieto, apenas as máquinas de café continuavam chiando baixinho, como uma bomba de pavio prestes a explodir.
Ela disse o seguinte (rufar de tambores):
"Você nunca mais vai me ver nua".
Por Deus que ela disse. Agora, em retrospecto, não lembro mais se disse em inglês, em espanhol ou em spanglish, só sei que disse, e o impacto da frase me roubou a respiração e o raciocínio por segundos.
Até aquele instante, eu havia desprezado o americano. A forma como ele se humilhava expunha as nossas fragilidades masculinas e me lembrava momentos em que também fui vil e torpe. Agora, não. Agora eu sentia compaixão.
Schopenhauer dizia que o sentimento da compaixão é que nos humaniza e, de fato, naquele momento tive vontade de colocar meu cappuccino na mesa, levantar-me e abraçá-lo, sussurrando:
– Venha cá, irmão...
Ele, não diria que ele ficou perplexo. Ficou mais é chocado. Não falou nada, não respondeu. Mas, também, responder o quê?
Não era uma ameaça da morena, não era uma promessa, não era um blefe. Pela maneira como ela falou, compreendi, e o americano compreendeu, que era até menos do que um aviso: era uma informação. A seguinte: não havia nada a ser feito, não havia nada mais a ser dito, não havia razão para eles estarem ali, se o que ele queria era vê-la nua de novo. Ele nunca mais a veria nua.
Nunca mais.
Ele não falou mais nada. Nem ela. Depois de algum tempo, levantaram-se e saíram. Ela, ereta, pisando firme, dona do mundo. Ele, hesitante, aos pedaços, tive a impressão até de que tropeçou ao abrir a porta.
Continuei observando-os pela porta envidraçada, enquanto se afastavam. Lá se ia um homem que não seria mais o mesmo na vida. Nunca mais.