No início da década de 1980, Daniel Souza era um menino em situação de rua em Porto Alegre, que sobrevivia graças à generosidade de pessoas que lhe doavam comida. Certa vez, Daniel recebeu o que sobrou de um cheeseburguer e devorou aquilo como se fosse a última ceia.
Quarenta anos depois, o ex-menino de rua está fazendo um curso sobre queijos. Ele discorre sobre queijos franceses, italianos e brasileiros com muita desenvoltura. O curso é feito à noite.
Durante o dia, Daniel vende bacalhau norueguês na centenária Banca do Holandês, no Mercado Público de Porto Alegre. Aliás, foi no Mercado, há quase quatro décadas, que Daniel encontrou um trabalho e conseguiu sair das ruas. Ele é um dos trabalhadores mais antigos do local.
Daniel não lembra o tipo de queijo que havia no xis, mas agora ensina a diferença de sabores entre um camembert e um parmesão. Ele também indica com qual tipo de vinho o queijo harmoniza melhor.
Bacalhau, um peixe que ele sequer sonhava em comer na infância, é sua especialidade num mercado com tanta coisa a ser provada. Daniel também sabe explicar as variações do presunto mais barato ao mais caro do mundo, o Pata Negra, que pode chegar a R$ 2 mil o quilo.
O passado talvez o autorizasse a ser uma pessoa com humor mais negativo, mas nem de longe isso acontece na relação com o cliente. Bem ao contrário. O tratamento é o melhor possível, independentemente se o o consumidor gasta R$ 5 ou R$ 500. Daniel extrapola o perfil do bom vendedor. Ele vai além: é quase um amigo que podemos encontrar nos corredores do Mercado Público. Um amigo com uma história de vida exemplar.