Nos últimos nove meses, grandes e pequenas infâmias relacionadas à pandemia dividiram espaço nos noticiários com gestos de coragem, solidariedade e resiliência. De desvios de dinheiro a aglomerações irresponsáveis, da disseminação de informações falsas à reivindicação de privilégios indevidos, não foram poucas as situações em que cupidez, parvoíce e o mais espesso egoísmo ditaram o comportamento das autoridades e do cidadão comum.
Inspirada em Jorge Luis Borges, que reuniu a mais genial galeria de canalhas da literatura no livro História Universal da Infâmia (1935), montei meu próprio ranking de tipos infames que tiveram seus minutos inglórios durante a pandemia:
1) Fura-filas – A vacina nem chegou e já tem gente tentando passar na frente dos outros. Uma carta assinada por promotores do Ministério Público de São Paulo pediu que a categoria fosse incluída em uma das etapas prioritárias da vacinação contra a covid. Por quê? Porque eles acham que é justo. A reivindicação estapafúrdia de privilégio é um suco de Brasil: sabe com quem está falando?
2) Malandros – Gente capaz de gastar R$ 600 em um jantar com amigos no fim de semana achou perfeitamente legítimo solicitar a ajuda emergencial destinada às famílias mais pobres. Por quê? Porque é preciso levar vantagem em tudo, certo?
3) Cloroquiners – O Brasil é o único país onde continuam a circular notícias falsas sobre curas e tratamentos já descartados por estudos científicos. Como nos EUA e na Índia, disputas políticas estão por trás da insistência em disseminar informações falsas que acabam enfraquecendo as medidas que comprovadamente ajudam a frear o contágio: distanciamento social, uso de máscaras e higienização das mãos.
4) Bandidos – Não foi só no Brasil que as compras emergenciais de respiradores e equipamentos de proteção criaram "novas oportunidades" para criminosos de gabinete, mas nenhum país produziu cena mais bizarra do que a do senador da República apanhado com notas escondidas lá onde todo mundo preferia não saber.
5) Negacionistas – O tempo vai passar, a vacina vai chegar e um dia a pandemia deixará de ser uma ferida aberta para se tornar uma cicatriz. A inépcia para liderar o país durante a crise, as trocas de ministros, a falta de respeito com as vítimas, tudo isso pode se transformar em um retrogosto amargo e difuso. Mas as palavras são danadas: quanto mais infames, mais tendem a grudar na memória. Frases como "e daí?", "é só uma gripezinha", "não sou coveiro", "todos vão morrer um dia" e "temos que deixar de ser um país de maricas" – e quem as proferiu – serão lembradas para sempre como um dos pontos mais baixos não só desta pandemia, mas de toda nossa História.