O neologismo "agnotologia" (do grego "agnosis" ou "não conhecimento") foi usado por Robert N. Proctor, professor de história da ciência, no livro A Construção e a Desconstrução da Ignorância (2008). Proctor usa como exemplo de disseminação da ignorância, ou "agnotologia", a forma como a indústria tabagista manipulou dados com o objetivo de confundir a opinião pública sobre os malefícios do cigarro (enquanto isso ainda era possível).
O estudo partiu de um memorando intitulado "O tabagismo e a proposta de saúde", que veio a público em 1979 e revelou táticas da indústria do cigarro para conter o avanço das campanhas antitabagistas. "A dúvida é o nosso produto. A dúvida é a melhor maneira de competir com o volume de informação que existe na mente do público. É o meio de gerar controvérsias", diz o documento. Em resumo: plante a dúvida, a teoria da conspiração, o estudo científico fajuto, o gráfico mal interpretado, por mais absurdos e disparatados que pareçam. Agnotos ingênuos, ou mal-intencionados, farão o resto do trabalho.
Não sendo especialista em nenhuma área do conhecimento formal, o presidente Jair Bolsonaro vem se mostrando uma sumidade internacional em "agnotologia". A forma como embaraça fiapos de informação científica para tecer seu discurso desconexo é uma ilustração exemplar de construção da ignorância. Em outras circunstâncias, os efeitos dessa irresponsabilidade talvez demorassem um pouco a aparecer. Em meio a uma pandemia, podemos assistir em tempo real aos resultados trágicos da disseminação de mensagens sem embasamento científico a respeito do isolamento social e do tratamento da doença.
Se, como presidente, Bolsonaro tornou-se garoto-propaganda de um remédio sem a devida comprovação científica, como deputado assinou o projeto que autorizava o uso da "pílula do câncer", a fosfoetanolamina. A eficácia e a segurança da cloroquina no tratamento da covid-19 ainda não foram testadas como deveriam, já a pílula do câncer é um embuste fartamente comprovado. Não chega a ser surpreendente o desprezo do presidente pelas evidências científicas: Bolsonaro não entende, não gosta e se sente ameaçado por tudo o que envolve conhecimento, educação, cultura e civilidade. Mas há algo por trás dessa reincidente "inconsequência farmacêutica" que desvela a essência do populismo praticado por políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro: vender soluções fáceis para problemas complexos é a mais antiga das empulhações políticas, mas ainda seduz parte do eleitorado. A agnotologia, como o crime, às vezes compensa _ mas não se torna menos criminosa.