Na ilustração da capa desta semana da revista The New Yorker, ex-presidentes americanos célebres (Abraham Lincoln, John F. Kennedy, Theodore Roosevelt, Franklin D. Roosevelt e George Washington) assistem, entre incrédulos e ultrajados, ao discurso de um dos mais novos postulantes ao cargo que eles ocuparam. A mensagem é simples e direta, mas se fosse necessário traduzi-la para o universo mais palatável da gastronomia o sentido seria mais ou menos o seguinte: o candidato republicano Donald Trump está para Lincoln como o frango assado da mercearia da esquina está para o coq au vin do chef Paul Bocuse. A matéria-prima pode ser da mesma espécie, mas o preparo faz toda a diferença.
Nesta semana, quando o deputado Jair Bolsonaro expressou em Porto Alegre seu desejo de candidatar-se à Presidência, não pude deixar de imaginar uma versão local para a capa da New Yorker. Dada a escassez, na galeria de ex-presidentes do Brasil, de grandes vultos históricos 100% democratas (e já ungidos pelo respeito unânime da posteridade), a nossa versão da revista precisaria inverter os sinais, reunindo figuras como Costa e Silva, Médici, Sarney e Collor para, em comitiva, darem as boas-vindas a Bolsonaro como legítimo representante de sua linhagem no panteão da política brasileira do século 21. Seria engraçado - como escorregar na rua e bater a cabeça na calçada.
Ninguém ficará surpreso se as eleições de 2018 nos brindarem com um candidato de extrema-direita com uma base de apoiadores mais expressiva e barulhenta do que a de personagens folclóricos como Pastor Everaldo ou Levy Fidelix. A polarização, a crise econômica, a falta de autocrítica da esquerda e o pessimismo generalizado (ressaca do otimismo amplo, geral e irrestrito de cinco anos atrás) nos conduzem a isso. Gestada em um ambiente político bem mais estável do que o nosso, a candidatura de Donald Trump também é o resultado de uma clivagem interna nos EUA. De um lado, o século 21 e suas causas. Do outro, os nostálgicos da tradicional família branca, triunfante, heterossexual e armada dos anos 50.
Trump e Bolsonaro não representam apenas oposição política aos presidentes que pretendem substituir. Se fossem apenas adversários políticos de Obama e Dilma, respectivamente, talvez não fizessem tanto barulho. Para conquistarem corações e hipnotizarem mentes, os dois se esforçam para romper a fina camada de hipocrisia que faz com que alguns políticos disfarcem o próprio caráter. Além disso, prometem o impossível: a volta a um passado perdido de ordem, progresso e patriarcado.
Discursos homofóbicos, racistas, chauvinistas seduzem quem se sente inseguro - em casa, no emprego, no próprio corpo - ao mesmo tempo em que despertam a ira e o desprezo de quem está razoavelmente confortável no século 21. Mas é preciso ficar muito alerta para que essa ira e esse desprezo não se expressem na mesma linguagem raivosa e sem filtro que faz tanto sucesso entre os fãs de Bolsonaro e Trump. Sejamos como a capa da New Yorker desta semana: enfáticos, sem perder a elegância.