Agora o meu aniversário passou. Perdi a chance. Lembrei o que eu queria de presente. A gente sempre descobre o presente desejado depois da data. É um delay da modéstia.
Mas meu atraso é mais antigo, quase primitivo, quase ancestral. Porque eu tinha a ambição desse regalo desde pequeno. O sonho de consumo ficou estranhamente adormecido em mim por longas décadas. Hibernou entre exigências cotidianas e últimas tendências. Fui me escondendo da dádiva, do tesouro precioso conforme amadurecia. O tempo é insidioso e nos força a esquecer as nossas maiores vontades.
Eu ansiava por um baleiro. Um baleiro de três andares. Como existia nos armazéns dos anos 70 e 80.
Nem sou muito fã de balas e chicletes. Não suporto a repentina perda de sabor. Mas eu sempre me mostrei fascinado pela beleza daqueles globos girando, daqueles cilindros coloridos.
São lindos como vitrais de igreja.
O objeto mexe com o meu psicológico, coloca a minha razão pelo avesso, revira as minhas ilusões de menino.
Naquela época, os pais aspiravam a um lustre na sala, com uma chuva de pingentes. Já os meninos e meninas nutriam a idealização secreta por um baleiro. Adultos e crianças rezavam por um objeto que ocupasse o centro da casa ou do quarto, que fosse capaz de arrancar suspiros das visitas e iluminar a rotina.
O baleiro era nosso carrossel. Nosso entretenimento. Nosso aquário de caramelo. Nosso brinquedo durante as compras.
Fazíamos questão de frequentar o comércio — a família surgia completa.
A mãe nos dava moedas para adquirir os doces, que vinham embrulhados em papel vegetal de pão. Eles não entravam no fiado da caderneta porque fugiriam do controle e poderiam gerar abusos.
Não tínhamos a permissão de pedi-los a todo momento, senão seria um Deus nos acuda. Acontecia uma vez por semana, de preferência aos sábados.
Guardo esse registro. Sábado: dia do pecado. Domingo: dia da missa.
Havia a advertência de não exagerar para não estragar os dentes. O medo das cáries assombrava nossa liberdade.
Recordo até hoje as ofertas sortidas. Eu transformava as guloseimas em jogadores de futebol. Na minha imaginação, montava um time. Reproduzia os nomes em meu plantel de botão. Memorizava a escalação das balas boleiras:
- Goleiro: 7 Belo
- Lateral-direito: Xaxá
- Lateral-esquerdo: Fizz
- Zagueiro: Gasosa
- Zagueiro: Dimbinho
- Volante: Banana
- Volante: Mocinho
- Meia: Soft
- Atacante: Juquinha
- Atacante: pirulito de chupetinha
- Atacante: Klep's
- Técnico: Mini Chicletes
Subíamos no balcão para escolher as favoritas. O dono do estabelecimento ia movendo os potes. Segundos que duravam minutos, minutos que duravam horas, horas que duravam anos.
A cada giro, meu batimento cardíaco acelerava, em picos de futura glicose.