Testemunhamos a proliferação de podcasts falando da intimidade de artistas e personalidades, com exposição de detalhes picantes de romances e de lugares extravagantes escolhidos para os enlaces.
Não sobrevive nenhum pudor, nenhum segredo, nenhuma reserva no bate-papo.
Eu fico enrubescido somente em ouvir.
É impossível não se ver monótono e tedioso perto do relato de tantas aventuras. Parece que você envelheceu antes da hora. Eu me percebo como ultraconservador, careta. Jamais estive com mais de uma pessoa ao mesmo tempo — nunca fiz ménage, nunca fui a um swing.
Alguns participantes chegam ao extremo de dizer que se relacionam 50 vezes por semana.
Mas a compulsão não guarda parentesco com o amor. Quando você só pensa em sexo no casamento, o casamento vai acabar. Significa que não há outras fontes de afeto no convívio. Rareou a comunicação.
Casal que se ama não depende do quarto. Um colo é tão bom quanto, um cafuné é tão bom quanto, um passeio é tão bom quanto, um cineminha abraçados é tão bom quanto, conversar até anoitecer é tão bom quanto, repartir ideias é tão bom quanto, dançar colados numa balada é tão bom quanto, dividir os sonhos é tão bom quanto.
É melancólico restringir o prazer a um único ato. É melancólico só ter prazer naquilo.
É falta de compatibilidade, de convergência, de admiração. Não tem como passar de ano apenas sendo aprovado em química.
O sexo se torna absolutamente prioritário quando não existe mais nada entre os dois. Quando amargam um deserto de ternura. Quando resta somente o corpo, e não se localiza a alma. Quando há o ciúme, esse medo imaginário de perder alguém. Quando a cama é o solitário barco para estar junto. Quando prevalecem o apego, o controle. Quando a explosão é catarse e ambos viram as costas para dormir.
Não é que sexo seja dispensável, pelo contrário, é fundamental para o alinhamento emocional, mas o vínculo não pode ser só isso.
Não caia no conto da performance da ocitocina, da gincana da serotonina, da competição de dopamina.
O essencial é a qualidade do encontro, não a quantidade. Não se sinta menos do que coelhos falantes. Não se sinta em desvantagem em relação às narrativas de amigos.
O que se mente sobre o assunto não tem cabimento. O que se exagera sobre as façanhas não tem fundamento.
Lutamos contra a coisificação do corpo, porém glamourizamos a vida privada, como se a frequência revelasse a verdadeira felicidade.
Mais importante é outra frequência: quantas vezes você olhou nos olhos de quem ama ao longo do dia, quantas vezes você ofereceu atenção genuína, quantas vezes deu as mãos e demonstrou curiosidade sobre a carreira, quantas vezes desligou o celular para fazer algo lado a lado, quantas vezes almoçou ou jantou frente a frente, sem nenhuma distração.
Até porque, se você está com alguém exclusivamente por atração, é muito fácil sair do relacionamento também por sexo. Trocam-se seis por meia dúzia. A união e a infidelidade terão igual peso.