Algoritmo, já que você vive registrando nossas ações, onde estamos, onde compramos, em que lugar queremos passar as férias, já que conhece as nossas mentiras e os limites de nossos cartões de crédito, nossos arroubos, nossas vontades, nossas tristezas, nossas playlists, nossas canções melancólicas e eufóricas, já que oferece produtos que mal começamos a pesquisar, já que tem o dom profético de se antecipar aos nossos desejos, já que tolera as nossas neuroses, já que perdoa a nossa ansiedade, já que cronometra o nosso tempo on-line, já que repassa vídeos emocionais pela enésima vez, já que cria ataques de fofura com vídeos de cachorros e gatos, já que traz depoimentos de resiliência quando estamos prestes a desistir de tentar, eu rogo que use todas as nossas informações a nosso favor, não mais exclusivamente a seu benefício, por um breve momento de generosidade.
Não sei se você tem pai, ou mãe, ou irmão, alguma ligação afetiva ou consanguínea com os números, mas pense um pouquinho em nós como parte de sua família.
Suspenda por um instante sua ambição de estatísticas e nos ajude em nossas realizações. Afinal, está milionário, não precisa de mais nada, pode diminuir o ritmo frenético de seus negócios e faturamento sem correr nenhum risco de empobrecer de repente. Ofereça-nos a tecnologia para encontros afetivos mais rápidos. Não precisamos nos desgastar tanto se você tudo vê, tudo sabe.
Portanto, eu peço:
— Não deixe nossos amigos continuarem sofrendo por relacionamentos opressivos, sufocantes. De tanto que quebraram a cara no amor, são vitrais. Ponha-os em contato com pessoas que prestam, que possam estabelecer conexões profundas de respeito e admiração. Facilite a intimidade mais do que a atração. Não permita que eles percam a esperança na vida a dois. Não há como aconselhá-los depois que se apaixonam pelo perfil errado. Eles não mais nos escutam. Doemos, impotentes, testemunhando que anulam suas identidades para agradar e corresponder às expectativas insanas da química. Perderão o emprego, a realidade, a razão, o equilíbrio, sustentando a fantasia de quem não os merece.
— Afaste de nossa existência virtual os narcisistas. Poupe-nos do trabalho de bloqueá-los após servirmos de cobaias. Já estaremos exaustos e sequelados. Use seu filtro como nosso escudo. Aproxime-nos daqueles que se preocupam com os outros, que ainda postam o pôr de sol ou a lua cheia, que se emocionam com a nudez do mar ou do rio, que ficam na janela, imóveis, olhando a chuva, que recolhem o lixo da rua que não foi jogado por eles, que entendem o valor de uma xícara de café quente e de um cálice de vinho, que passam adiante uma frase de Clarice Lispector ou de Caio Fernando Abreu, que defendem a importância de embrulhar presentes, que esperam ansiosamente o feriado para visitar os pais no interior, que festejam cada móvel que chega em sua casa, que guardam suas moedas num potinho, que organizam o armário inteiro quando adquirem uma peça nova, que dormem agradecendo e acordam rezando por um mundo melhor.
— Cuide de nossa saúde mental porque um dia podemos nos cansar de você.