Se você pedir para Beatriz contar como me conheceu e depois pedir para mim, numa acareação em salas separadas, achará que não se trata do encontro do mesmo casal.
Serão narrativas absolutamente diferentes, com detalhes pessoais e apanhados particulares do enlace. Ela poderá me contradizer, eu poderei contrariá-la, mesmo partindo de um evento comum a ambos.
Entendemos a realidade de um jeito emocional, subjetivo. Eu vou alegar que ela já estava a fim de mim e tomou a iniciativa, ela dirá que eu insisti e não larguei do seu pé.
Quem está com a razão? Os dois!
Dividir a rotina não é planificar a memória. Não dá para adulterar o passado em benefício de um dos dois.
Quando o par conta como se conheceu em versões distintas, significa que se respeita. Não ocorreu sufocamento de uma personalidade, de uma identidade, para que sobressaísse um olhar dominante. A convivência não é de cima para baixo, não há mandachuva, prevalecem a democracia e a diversidade.
Um agouro fúnebre de relacionamento unilateral e dependente é quando a lembrança é igual. Alguém se apagou na convivência. Alguém se anulou. Alguém não discorda mais. Alguém silenciou suas percepções.
Existe quem compreenda o companheiro ou a companheira como parte do seu desejo, sem vontade própria, caminhando a passos firmes para o precipício da simbiose.
Forma-se uma só entidade, em detrimento da autonomia. Você vive a vida de quem está ao seu lado, para quem está ao seu lado, e se esquece perigosamente de seus projetos e sonhos. Passa a se desculpar pelo outro, a discutir pelo outro, a amar pelo outro, a falar ou se calar pelo outro. Com o tempo, não sabe mais quem se tornou.
Dividir a rotina não é planificar a memória. Não dá para adulterar o passado em benefício de um dos dois.
Se o retrato falado do início do amor revela o quanto as pessoas preservam suas individualidades, a saúde do romance depende de jamais deixar de enxergar o seu marido ou a sua esposa como namorado ou namorada.
Evite pensar que o casamento é para a existência inteira. Ame dia a dia, numa decisão sempre renovada.
A imortalidade nos adoece. Tudo fica sério demais, grave demais, imperdoável demais no matrimônio se colocamos a posteridade como régua. Somos esmagados pelas expectativas absurdas e longevas.
Raciocinar que estará com a pessoa por toda a vida não acalma nem garante estabilidade e segurança. Pelo contrário, produz angústia e ansiedade, fazendo com que exija mais do que a sua companhia é capaz de oferecer no momento. Você pesa os acontecimentos com o futuro, não com o presente.
Namorados são mais atentos e mais leves do que os casados, pois a sua previsão de relação é diária. Estão sempre saindo pela primeira vez. A primeira vez nunca termina de acontecer.
É realmente um ano novo para o amor a cada ano que começa.