O IPE Saúde foi idealizado no formato de colaboração solidária. A incidência dos descontos era proporcional ao salário dos servidores.
Os mais altos vencimentos pagavam mais, os mais baixos vencimentos pagavam menos. Os resultados diferiam profundamente na arrecadação.
A porcentagem de juízes e promotores, por exemplo, gerava um salto na receita e compensava as hierarquias baixas do Estado.
A alteração do estatuto da autarquia por meio da Lei Estadual nº 12.134/2004, estipulando a alíquota de 3,1% de contribuição, gerou protestos de muitos servidores, que ingressaram em juízo sustentando a inconstitucionalidade da filiação compulsória. A tese acabou reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) em caráter geral em 2005 (Incidente de Inconstitucionalidade nº 70011058179).
Isso deflagrou a ruptura da pirâmide social. O que eu poderia chamar de início da crise da autonomia do instituto. A adesão ao plano de saúde, antes obrigatória, passou a ser facultativa.
Houve debandada dos cargos graúdos do Executivo, Legislativo e Judiciário. No dilema salomônico, os servidores abonados decidiram pagar convênio particular mais em conta do que os descontos em folha do IPE Saúde e com o dobro de opções de cobertura médica, pois a contrapartida polpuda não correspondia à oferta de atendimento.
Existiu uma bancarrota secreta, um ruir dos alicerces da fraternidade das dívidas. A maior parte dos grandes salários se desligou.
Hoje o instituto, composto pelas menores cotas, atende quase 1 milhão de servidores, sem custos para a inscrição de dependentes. Evidentemente a conta não fecharia mais após a coparticipação opcional.
Com a possibilidade de exames a rodo num sistema público, de modo indiscriminado e gratuito, deu-se o atual rombo que já chegou a R$ 650 milhões (hoje se encontra em R$ 185 milhões).
Mesmo o IPE ainda oferecendo excelente serviço em alguns pontos, como o do Hospital Divina Providência, médicos tradicionais se desvincularam devido ao pagamento irrisório e constrangedor de alguns reais por consulta. A qualidade do serviço profissional também diminuiu consideravelmente, desembocando em queixas e reclamações dos conveniados pela dificuldade de agendamento e disponibilidade para realização de procedimentos mais sofisticados.
Essa é a triste história do IPE Saúde, contada por mim didaticamente.
O projeto de restruturação é inescapável, com processos inéditos de controle, negociações com prestadores, inovações em protocolos e procedimentos, implantação de medidas focadas na contenção das despesas, avaliação das fontes de financiamento e ampliação dos hospitais e clínicas.
A despesa a mais para os credenciados, com a contribuição de dependentes e acréscimo da alíquota dos 3,1% para 3,6 — em que se paga ou o valor previsto na tabela, ou o percentual do salário (o que for menor) —, pode resultar em uma cobertura mais ampla, como já aconteceu na época de ouro do IPE, nos anos 70.
Ou busca-se o reequilíbrio financeiro com os novos tempos, ou sacramentaremos a extrema-unção do benefício de um instituto quase centenário, de 92 anos (enquanto IPERGS), que desde 1966 oferece atendimento de saúde.
Não é o ideal, mas o necessário. Não há almoço grátis.