Meus irmãos e eu jogávamos futebol na rua, tendo como goleiras as garagens da nossa casa e da casa do vizinho no lado oposto. Só parávamos a partida quando passava um carro. A pacatez dominava a rua Lageado, no bairro Petrópolis. Empregávamos a frente da nossa residência como extensão do pátio.
Vivíamos a véspera do Natal de 1980, de férias da escola, devidamente aprovados para a série seguinte, sem o fantasma da recuperação que invadia o fim de dezembro.
Foi em uma dessas peladas que não medi a força do chute, querendo evitar o gol de qualquer jeito, e lancei a bola para os ares, em direção à janela do segundo andar do edifício da esquina. Aos oito anos, nem sabia que tinha tanta força e potência no pé. A princípio, fiquei maravilhado, em seguida apavorado. A vidraça se estilhaçou como uma bomba. Saímos correndo, mas não adiantou. Testemunhas viram quem eram os responsáveis. A delação corria rapidamente no bairro.
Ficamos de castigo. A mãe teve que arcar com o prejuízo. Não conseguimos sequer pedir a bola de volta. Não havia clima para exigir nada.
Os presentes natalinos estavam suspensos. Na época, não acreditávamos mais em Papai Noel, apenas no salário da mãe que nos criava.
Foi quando eu ouvi a melhor invertida da minha vida.
Rodrigo, o mais velho entre nós, na escadinha de dois a dois anos entre os três guris, pediu a palavra.
— Mãe, você tem razão, não merecemos ganhar os presentes, mas há uma injustiça aí: você merece dar. Você se sacrificou para conseguir comprar os presentes.
Ele salvou a nossa árvore. A família não resistiu à sua filosofada e o aplaudiu fervorosamente. Não é para menos, com tal raciocínio paradoxal, que ele se tornaria promotor de Justiça quando adulto.
A mãe não podia ser castigada e ter a sua festa frustrada — ela não havia cometido nenhum erro. Fazia muito sentido.
Acabou sendo a melhor celebração natalina da minha infância, já que não esperávamos mais que fosse acontecer. Existia uma generosidade da culpa redimida.
Guardo em mim essa regra de ouro: somos cordiais porque merecemos ser cordiais, independentemente do outro. A cordialidade não é reativa. Não depende das vésperas nem das consequências.
São Paulo já alertava: “Sejamos cordiais sem saber a quem. Talvez estejamos recebendo anjos”.
O anjo de braços abertos, pregado na nossa porta, agradeceu.
E, curiosamente, recebemos de presente uma outra bola. Para o terrível azar do vizinho.