Essa história de que a saudade diminui com o tempo não acontece. É uma fraude emocional.
Eu sinto muito mais saudade de Moacyr Scliar, que faria 85 anos na quarta-feira (23). Porque seu lugar é insubstituível. Sua ausência é, a cada dia que passa, mais redundante.
Jamais existiu um cronista em ZH capaz de fazer várias colunas diferentes, sobre saúde e cultura, de uma hora para outra. Ele escrevia com sagacidade e rapidez. Uma enciclopédia humana. O texto ficava pronto antes do prazo da encomenda.
Jamais existiu um palestrante tão dedicado, capaz de estar em dois lugares. Não recusava um convite. Podia ser para uma escola no interior gaúcho ou uma conferência a empresários na Federasul.
Jamais existiu um missivista com tamanha disciplina. Nenhum livro recebido ficava sem a sua resposta, sem a sua cartinha.
Jamais existiu um escritor perito da fábula e da realidade simultaneamente, conciliando mitologia com observações cotidianas. A Mulher que Escreveu a Bíblia ou O Centauro no Jardim indicam o quanto manejava o folclore e a tradição para reler a realidade.
O bairro Bom Fim tornou-se mundialmente conhecido como coração judaico da capital pela sua escrita, pela história de Joel, em A Guerra do Bom Fim.
Se Porto Alegre é festejada hoje, isso se deve muito ao autor, premiado com quatro Jabutis e um Casa de las Américas, um dos gaúchos mais traduzidos no Exterior, que chegou a ser plagiado pelo canadense Yann Martel, no famoso romance A Vida de Pi.
Especialista em contos sombrios e narrativas bem humoradas, não havia dia ruim para aqueles olhos azuis ávidos.
Como torcedor do Cruzeiro de POA, era amado pela torcida do Inter e do Grêmio. Talvez tenha sido o único escriba de absoluto consenso a viver em nosso pago.
E ainda foi professor, médico especialista em Saúde Pública, acadêmico da ABL, tradutor, crítico.
Scliar nos viciou com a sua amabilidade genial, com a originalidade da sua ficção, com a ubiquidade de sua entrega, então, como esquecer?
Ele não facilitou nem um pouquinho a amnésia.