Mudanças climáticas que levam o Rio Grande do Sul a apresentar médias de temperatura em elevação e chuvas cada vez mais concentradas exigem ações para aumentar a capacidade de armazenamento de água, reduzir riscos de desabastecimento e proteger um dos pilares da economia gaúcha – a produção agropecuária.
A busca por fontes de água já é realidade: o governo estadual registra demanda imediata de pelo menos 7.670 novos açudes e 750 poços para atender principalmente pequenos e médios produtores em dificuldades. Outro desafio é ampliar a área irrigada, que hoje corresponde a 233 mil hectares nas chamadas lavouras de sequeiro (excluído o cultivo de arroz), mas poderia ser até quatro vezes maior se houvesse ampla disponibilidade de reservatórios hídricos.
As melhorias estruturais são necessárias para acompanhar as alterações no clima. A temperatura média aumentou cerca de 1°C no Estado nas últimas quatro décadas, conforme um estudo publicado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e as chuvas estão se concentrando em menos períodos de maior intensidade.
O Instituto Nacional de Meteorologia indica que, entre 1961 e 1990, a maior parte do Estado registrava, em média, entre quatro e oito períodos anuais superiores a 10 dias sem precipitação. Entre 1981 e 2010, esse patamar se elevou para seis a nove episódios. Neste ano, a previsão de um fenômeno La Niña deverá manter a precipitação abaixo do normal.
— Os prognósticos indicam uma redução mais significativa das chuvas entre outubro e novembro — observa a pesquisadora em agrometeorologia da Secretaria Estadual da Agricultura Loana Cardoso.
Diante desse cenário, um levantamento realizado pela pasta com auxílio da área técnica da Emater mapeou as solicitações de produtores para fundamentar um novo programa de combate às estiagens e estímulo à irrigação. Além de poços e açudes, o projeto prevê a ampliação de uma estratégia disseminada no semiárido brasileiro, onde a convivência com a seca é crônica: a implantação de cisternas (reservatórios para armazenar água da chuva).
— O Rio Grande do Sul não é feito só de açudes. Há áreas onde não conseguimos escavar por haver muitas pedras. Estamos trazendo do Nordeste a ideia das cisternas, que contemplariam de 30 mil a 50 mil litros. Conforme a Emater e departamentos técnicos da Secretaria da Agricultura, faltariam hoje 1,5 mil cisternas — afirma o secretário adjunto da Agricultura, Luiz Fernando Rodriguez Júnior.
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No semiárido, cerca de 1,3 milhão de cisternas já armazenam mais de 19 bilhões de litros de água para consumo humano e de animais, limpeza e pequenas produções. Batizada preliminarmente de Irriga Mais, a iniciativa gaúcha sucede o recém-extinto programa Mais Água, Mais Renda – que praticamente dobrou a área irrigada no Estado ao longo de quase uma década. Pelo plano em fase final de elaboração, o Estado também apoiaria até 1,5 mil novos projetos de irrigação com uma subvenção de R$ 15 mil e assistência técnica. O restante seria financiado pelos próprios produtores conforme a necessidade de cada um.
O secretário adjunto afirma que o Piratini está analisando a capacidade do Tesouro para definir o quanto da demanda mais urgente poderá ser atendida de imediato. Rodrigues Júnior diz que os custos estimados precisam ser atualizados em razão de aumentos recentes em insumos como combustíveis. Mas, pelos números disponíveis até o momento, as solicitações já existentes de novos poços, açudes e cisternas e a subvenção dos sistemas de irrigação representariam pelo menos R$ 215,2 milhões em investimentos. Para comparação, somente no ano passado a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) estimou que a seca teve um impacto negativo de R$ 2,2 bilhões no setor agropecuário do PIB gaúcho.
— Se conseguirmos atender tudo, não resolveremos todos os problemas, mas faríamos 10 anos de investimentos em um. Isso colocaria o Rio Grande do Sul em outro patamar de segurança hídrica — acredita o secretário adjunto.
Novos açudes e poços
Ao longo dos últimos três anos, o governo do Estado contabilizou a abertura de 1,1 mil novos açudes e 212 poços. Como a Secretaria da Agricultura conta com apenas quatro máquinas para escavação, a ideia, a partir de agora, seria licitar os projetos à iniciativa privada para ganhar mais agilidade e atender diferentes regiões ao mesmo tempo. O impacto do atual plano sobre a rede existente de irrigação, porém, seria mais modesto.
Extensionista rural da gerência técnica estadual da Emater, Carlos Gabriel Nunes dos Santos avalia que 1,5 mil sistemas novos não são suficientes para catapultar de forma significativa o atual percentual de 2% de área de soja irrigada em um universo superior a 6 milhões de hectares, ou de 10% de milho e feijão (que somam 836 mil hectares de plantio), mas podem servir como exemplo para que outros produtores sigam o mesmo caminho.
— É uma iniciativa bem-vinda porque ajuda a difundir ainda mais a tecnologia. Não temos como aumentar drasticamente os percentuais de área irrigada atuais porque isso envolve investimento pesado, assistência técnica, mas, se um agricultor vê que o vizinho passou a produzir o dobro de milho depois da irrigação, fica mais fácil — analisa Santos.
Mesmo pelos valores médios mais baixos de irrigação por hectare, inferiores a R$ 10 mil, dobrar a atual área atendida por essa tecnologia no Estado exigiria perto de R$ 2 bilhões. O economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, afirma que o plano do Piratini ainda será analisado pela entidade. Em tese, avalia que soluções de menor porte como poços ou cisternas não resolvem as necessidades dos grandes produtores, que também se queixam de impasses legais.
— A irrigação é um processo que só não fazemos em larga escala porque há questões ambientais difíceis até de se compreender — afirma o economista.
Existe uma antiga polêmica envolvendo produtores e o Ministério Público Estadual em relação às exigências legais para licenciar projetos de irrigação. Na visão de parte dos agricultores, há entraves excessivos para permitir esse tipo de iniciativa.
Procurada por GZH, a promotora Annelise Steigleder, da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre, informou que o órgão atuou “na época do Mais Água, Mais Renda, mas essa atuação já se encerrou”. Rodriguez Júnior lembra que, a partir de agora, os licenciamentos para armazenagem e dispersão de água serão feitos por municípios, Estado ou União conforme a dimensão de cada projeto, e que o governo trabalha de forma transversal entre as secretarias e está em contato com o MP. Até este ano, as licenças eram concedidas de forma centralizada pelo programa anterior – prática encerrada após decisão do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).