A seca na Argentina, que deve provocar uma quebra na safra de grãos de até 30% neste ano, tem gerado efeito cascata que afeta a produção de aves e suínos em Santa Catarina. A principal causa é a escassez de milho no mercado, que provoca aumento de preços e custos mais elevados para os produtores de porcos e frangos.
De acordo com o vice-presidente da Federação da Agricultura de Santa Catarina (Faesc), Enori Barbieri, o preço do milho tem oscilado muito nos últimos anos. Em 2016, houve escassez do produto, jogando o preço para cima. No ano seguinte, com mais gente plantando, ocorreu uma supersafra, o que fez com que o valor da saca despencasse. Dessa maneira, neste ano, a área plantada em Santa Catarina diminuiu consideravelmente, o que fará com que a quantidade colhida seja menor.
É nesse contexto que a seca argentina contribui para o aumento dos preços. Somando-se o fator especulativo e as deficiências logísticas, tem-se uma espiral negativa para a agroindústria.
— O milho é um insumo básico para granjeiros e suinocultores. E o preço tem subido muito. Não podemos trazer milho dos Estados Unidos, o maior exportador do mundo, por falta de licenças, já que eles produzem transgênicos — afirma Barbieri.
Busca por subsídios com o governo federal
As dificuldades encontradas pelos produtores, todavia, não provocam aumento de preço ao consumidor final. Isso devido às restrições às exportações brasileiras, como no caso da carne suína para a Rússia e aves para a União Europeia. O excesso dos produtos no país tem feito os preços caírem, ao mesmo tempo em que os custos crescem aos produtores.
— Há um excesso de produção de proteína animal. Muitas agroindústrias estão anunciando férias coletivas — informa Barbieri.
No início do mês, representantes do setor se reuniram com o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, para sugerir que o governo ajude a trazer parte do estoque de milho do Mato Grosso para o Sul do Brasil de forma subsidiada, pagando os fretes. Até o momento, no entanto, o governo federal não confirmou o auxílio.
Segundo Barbieri, o país tem, além da falta de infraestrutura, outro problema estrutural que precisa ser combatido: a falta de capacidade de armazenamento. China e Estados Unidos podem estocar até um ano de produção de milho, mas no Brasil a quantidade é muito reduzida e o produtor precisa vender rapidamente o que é colhido.
Enquanto avicultores e suinocultores passam por momentos complicados, a situação é mais favorável para quem decidiu cultivar milho ou tem o produto armazenado. A convergência de fatores tem feito os preços subirem acima do esperado.
— Quem plantou milho e não vendeu, não esperava ter esse ganho. Esse aumento faz com que o milho volte a ser uma cultura atrativa — diz Barbieri.
Produtor desiste de criar suínos após nova crise
A partir desta semana, nenhuma fêmea de suínos da Granja São Roque, em Chapecó, será inseminada novamente, o que dará início ao fim da criação de suínos.
Até outubro, a produção, que iniciou em 1972, será encerrada. O motivo é a falta de rentabilidade da atividade, que sofre com o baixo preço provocado pelo embargo russo, aliado ao aumento de custos causado pela falta de milho em Santa Catarina. A situação é agravada por uma quebra na produção na Argentina, que fez o preço do cereal subir mais de 30% em dois meses.
— Hoje, o produtor entrega o porco gordo, que é um alimento, e mais uma nota de R$ 50, que é o prejuízo entre o custo e o valor pago pelo suíno — explica Félix Muraro Júnior, um dos donos da granja.
Ele afirma que, em janeiro, sobrou R$ 2 mil da atividade, em fevereiro sobrou R$ 1 mil e, em março, as contas indicaram prejuízo. Isso que o faturamento da suinocultura é de R$ 86 mil e Félix produz o milho consumido pelos animais, o que diminui os custos:
— Se fosse vender o milho que os suínos consumiram, ganharia R$ 40 mil, o que representa mais de R$ 3 mil por mês que deixo de ganhar. Mostrei os números aos familiares e decidimos que não dava para continuar.
O fechamento da Granja São Roque é simbólico. Era uma das propriedades mais premiadas do Estado, com troféus espalhados pelo escritório. O avô de Félix, Clair Dariva, foi presidente da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos e vice-presidente da associação brasileira. Com a saúde frágil de Dariva, Félix assumiu a administração há cinco anos. E viu a atividade decair.
— Meu avô ganhou muito dinheiro com suíno no passado, mas antes tinha um ciclo ruim e depois dava um bom lucro. Agora, não acontece mais isso. Meu avô chegou a lacrimejar com a decisão, mas acabou entendendo — afirma Félix, que guarda o quadro de Dariva na parede do escritório, com os antigos troféus da suinocultura, e os novos troféus da criação de gado de leite.
Aliás, a produção de milho e até dois funcionários devem ser deslocados para aumentar a produção de leite, de 70 mil litros por mês para 100 mil. Mesmo assim, três serão demitidos. E os barracões dos suínos serão alugados.
O presidente da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos, Losivânio de Lorenzi, afirma que na região de Concórdia há mais dois desistindo da atividade:
— Quem sofre mais é o produtor independente. Tem gente com R$ 120 de prejuízo por suíno, alguns pegam empréstimo no banco, outros vendem alguma coisa. Tem que se virar na esperança de que a situação melhore.
Especulação eleva preços e gera busca por opções
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) até ofereceu milho aos criadores, mas devido à burocracia apenas 50 conseguiram acessar o produto até agora.
O diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados (Sindicarne), Ricardo Gouvêa, avalia que, com a queda na exportações e o preço do milho a mais de R$ 40 para os criadores, a situação fica economicamente inviável.
— Com esse nível de preço de milho, algumas empresas pequenas e o produtor independente não vão sobreviver —avalia Gouvêa.
Ele considera haver uma especulação de mercado: quem tem o produto, não vende, esperando o preço subir. De acordo com o analista do Centro de Socieconomia e Planejamento Agrícola da Epagri, Haroldo Tavares Elias, o avanço da área de soja e do milho para silagem reduziu a oferta de grão e aumentou o déficit do cereal, que deve chegar a 4 milhões de toneladas neste ano.
Além disso, a quebra de safra na Argentina contribui para a elevação dos preços. No entanto, ele considera que o preço do milho deveria ter menos oscilação:
— Não era para o milho subir tanto, pois a Conab tem estoques de passagem de 15 milhões de toneladas e a safra brasileira, mesmo com exportação, é suficiente para atender a demanda. Há uma queda de braço entre quem tem o milho para vender e quem precisa comprar.
Elias afirma que a tendência é o cenário melhorar nos próximos meses, se confirmar uma boa produção na segunda safra de milho, principalmente do Centro-Oeste brasileiro. Além disso, as medidas tomadas pelas agroindústrias, como as férias coletivas anunciadas pela BRF em Capinzal e pela Aurora em Abelardo Luz, diminuem a demanda por milho.
A Seara Alimentos também está importando 60 mil toneladas de milho da Argentina e as agroindústrias cogitam comprar milho dos Estados Unidos. Isso porque, no momento, o cereal está mais caro aqui do que na América do Norte. Em maio, também inicia a safra do Paraguai e ao longo do mês deve ser viabilizada uma rota para trazer o produto via Dionísio Cerqueira.
O governo do Estado tem investido cerca de R$ 50 milhões por ano em subsídios de calcário e sementes para estimular o plantio de milho. Mesmo assim, a soja tem sido mais atrativa pelo custo menor de produção e maior rentabilidade. Somente nesta safra, houve redução de 14% na área plantada e 20% na produção, que ficará em 2,5 milhões de toneladas, para um consumo de 6,5 milhões de toneladas.
Rota do Milho do Paraguai, mais armazéns, ferrovias e uso de outros produtos na ração são algumas das alternativas para amenizar a dependência do milho em Santa Catarina e evitar que mais produtores abandonem a atividade.