Falta de declividade (área mais plana), forte influência das rajadas de vento e grande quantidade de água recebida. Essa combinação de fatores dificulta o escoamento para o oceano e faz com que a cheia persista no sul do Estado. Desde o início das enchentes no território gaúcho, os níveis da Lagoa Mirim, da Lagoa dos Patos e do Canal São Gonçalo seguem elevados e a tendência é que se mantenham acima das medições habituais no decorrer desta semana.
No final da tarde de segunda-feira (27), o Canal São Gonçalo, que liga a Lagoa Mirim à Lagoa dos Patos, bateu um novo recorde e atingiu seu nível mais alto: 3m13cm. A marca ultrapassa em 25 centímetros a medição da enchente histórica de 1941. Nesta terça-feira (28), houve uma redução e, às 14h, o manancial estava em 2m94cm — a cota de alagamento é de 2m, conforme a prefeitura de Pelotas. Apesar da recente baixa, o canal se mantém acima do nível habitual há mais de 20 dias.
Em Pelotas, a Lagoa dos Patos também segue elevada: 2m44cm na medição das 14h. Leonardo Contreira, professor do curso de Engenharia Hídrica e coordenador do laboratório HidroSens da Universidade Federal de Pelotas (UFpel), explica que o nível da laguna é muito variável, por isso, não há uma cota de inundação. Mas a medição média fica em torno de 1m60cm.
De acordo com o professor, que também faz parte do corpo técnico da Agência da Lagoa Mirim, o sistema da região Sul é bem diferente do Guaíba e dos rios — Jacuí, Taquari e Antas, Caí, Sinos e Gravataí. O especialista também comenta que a Lagoa dos Patos recebe toda a água vinda dessas bacias, além do volume vindo do nordeste do Uruguai e das outras cidades do Sul, que chegam pela Lagoa Mirim, através do Canal São Gonçalo.
— As velocidades são diferentes, porque são rios vindos de um relevo mais alto, então chega em Porto Alegre mais rápido. Aqui (no Sul) é diferente, porque estamos em uma planície costeira, principalmente Pelotas. A cidade tem o Laranjal, que tem influência direta da Lagoa dos Patos, então quando tem elevação inunda todo o Laranjal. Já o Canal São Gonçalo beira a parte do Porto e do Centro, mas tem um dique de 3m50cm, então por enquanto está segurando — comenta Contreira.
Pedro Camargo, hidrólogo da Sala de Situação do Estado, concorda que a Lagoa dos Patos tem uma declividade muito baixa, então o processo de escoamento é bastante lento, diferentemente do que ocorre no Vale do Taquari, por exemplo. Assim, a água demora para baixar e segue acumulando, causando uma cheia duradoura:
— Tem a ver com a morfologia da lagoa, que não tem uma declividade, esse é o principal fator. Como a declividade é muito baixa, não consegue fazer com que tenha um escoamento mais rápido. Em Rio Grande, a vazão da água estava bem elevada, porém todo esse deslocamento pela lagoa, que tem uma superfície muito grande, é muito lento e influenciado pelo vento.
O tamanho da laguna e o vento, portanto, são outros dois fatores citados pelos especialistas. Contreira destaca que a Lagoa dos Patos tem 265 quilômetros de extensão, enquanto Camargo aponta que a influência das rajadas na região é maior do que a exercida sobre o Guaíba, tendo um efeito muito grande nas cidades que ficam próximas da água, como Pelotas, Rio Grande, São Lourenço do Sul e São José do Norte.
O vento sul é conhecido por diminuir a velocidade da correnteza, reduzindo o escoamento da água para o Oceano Atlântico. Já o Nordeste colabora com esse processo. O professor ressalta que o Canal São Gonçalo atingiu seu maior nível na segunda-feira porque as rajadas do quadrante nordeste estavam muito fortes e toda a água represada no Guaíba foi empurrada para a região Sul.
— Quando sopra vento sul, empilha a água aí em Porto Alegre, então os níveis baixam para nós aqui. Só que o vento sul também aumenta o nível do oceano na nossa costa e a lagoa não consegue escoar para o oceano. O nordeste faz o contrário: o Guaíba começa a despejar bastante, manda para a região Sul e começa a empilhar aqui. Foi o que ocorreu ontem, já estávamos cheios de água, porque a Lagoa Mirim já estava com alta vazão no São Gonçalo, e a Lagoa dos Patos toda basculou toda para cá — aponta.
Na visão de Contreira, a saída “estrangulada” da Lagoa dos Patos para o oceano complica ainda mais a situação, já que funciona como um funil. Quando há ressaca no mar — como nesta terça-feira —, o escoamento também é dificultado.
De acordo com os especialistas, há previsão de vento sudeste até terça-feira, o que deve manter os níveis de água elevados. No entanto, as rajadas devem acalmar no decorrer da semana, gerando uma estabilidade. Mas o professor comenta que a água que sai do Guaíba demora em torno de oito dias para chegar ao estuário, ou seja, os volumes registrados em Porto Alegre no final da última semana ainda não chegaram na região.