Por Andrea Pampanelli
Professora e consultora, doutora em Sustentabilidade, integrante da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
Temos vivido dias de calor intenso, com crises térmicas que afetam desde a disposição pessoal até a propagação de doenças que se alastram para além das regiões tradicionais. A face humana das mudanças climáticas impacta não apenas a nossa vida futura ou a de nossos filhos e netos, mas a nossa, hoje.
O aumento da temperatura, o que mais sentimos, é um dos aspectos da mudança climática. No entanto, há também alteração dos padrões de precipitação (enchentes e secas), subida do nível do mar, acidificação dos oceanos, fenômenos meteorológicos extremos e poluentes climaticamente ativos. Cada um com seus caminhos distintos, impactando diretamente na nossa maneira de viver.
Um dos exemplos que mais temos sentido na pele é o aumento de casos de doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue. A combinação de altas temperaturas e chuvas intermitentes e a redução de frio em áreas originalmente mais amenas, consequência direta das mudanças climáticas, é perfeita para a reprodução do Aedes aegypti, mosquito vetor da dengue e também da zika e chikungunya. Com um agravante. Além de o Brasil ser o país com mais casos de dengue no mundo, o corredor climático formado no Centro-Oeste e que desce para as regiões Sudeste e Sul, inclui países vizinhos como Paraguai e Argentina, fazendo com que o mosquito se alastre por zonas anteriormente não detectadas.
Assim como temos as doenças transmissíveis, há uma centena de outras consideradas sensíveis ao clima – propensas a aumentar de acordo com as variações. A maior temperatura pode provocar insolação, mas também exaustão pelo calor, que pode acometer o sujeito em qualquer circunstância, no ambiente doméstico ou laboral, levando até a morte, como no caso da fã da cantora Taylor Swift, no show no Brasil. Sem falar em desnutrição, diarreia, doenças cardiovasculares, respiratórias, hepatite, entre outros males, incluindo os decorrentes à própria exposição solar, como câncer de pele.
As perturbações mentais são também uma consequência a longo prazo, dificilmente percebíveis nas investigações atuais.
A preocupação é tanta que a Organização Mundial de Saúde já classificou o aquecimento global como a maior ameaça à saúde para a humanidade, sendo as doenças sensíveis ao clima fortemente influenciadas por determinantes sociais, como a perda de habitação provocada por catástrofes ou movimentos migratórios, perda de produtividade, pobreza, migração em massa e conflitos violentos.
Outra questão que abala a saúde, além da poluição, já apontado como o quarto maior fator de risco de morte mundial, é a alimentar. Experimentos indicam que a exposição a elevadas taxas de dióxido de carbono de culturas básicas como trigo, arroz, milho e soja está nos entregando alimentos com menores índices de zinco, ferro e proteína. Com impacto direto na qualidade nutricional do que consumimos.
Outro aspecto diretamente ligado à nutrição diz respeito aos oceanos, que absorvem uma grande parcela do calor e da poluição provocados pelo efeito estufa. Essa alteração tem mudado o PH da água, causando a acidificação paulatina das águas desde a Revolução Industrial. Espécies como alguns tipos de mariscos, corais, plânctons, moluscos, têm sua vida ameaçada e, como consequência, alteram toda a vida marinha e a nutrição de milhões de pessoas que têm na pesca tanto sua base alimentar como modo de sobrevivência.
A resolução do problema das mudanças climáticas passa pelo investimento na adaptação aos resultados, na eliminação dos combustíveis fósseis e na melhoria da eficiência energética. Essa interdependência de todo ecossistema, e que tem sido debatida e alertada desde os anos 1990, nos faz refletir no quanto urgem tanto as medidas emergenciais de manutenção da vida quanto a implementação de uma cultura de sustentabilidade na sociedade.
O tema se intensifica à medida que o homem passa a ser não mais exclusivamente o agente das mudanças, mas o paciente das consequências. Tanto quanto pensar na redução de gás carbônico e no que está por vir, precisamos com urgência implementar modos de conviver e sobreviver no agora, com adaptações imediatas. A resiliência já está na ordem do dia, e independe de acordos globais e de líderes mundiais para acontecer. Está nas nossas mãos.