Países em desenvolvimento, como o Brasil, precisariam investir um valor de US$ 215 bilhões a US$ 387 bilhões por ano nesta década para implementar as ações de adaptação climática necessárias. Mas as lacunas de financiamento estão cerca de 50% mais elevadas do que a estimativa média anterior, conforme o recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgado nesta semana. Segundo os dados e estimativas, o progresso da adaptação está indo no sentido contrário do que seria preciso para acompanhar os impactos das mudanças climáticas.
Para o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, o relatório sobre a lacuna de adaptação mostra “uma divisão crescente entre necessidade e ação quando se trata de proteger as pessoas de extremos climáticos”.
— A ação para proteger as pessoas e a natureza é mais urgente do que nunca. Vidas e meios de subsistência estão sendo perdidos e destruídos, com os mais vulneráveis sofrendo mais. Estamos em uma emergência de adaptação. Devemos agir como tal. E tomar medidas para fechar a lacuna de adaptação agora — disse Guterres em sua mensagem sobre o documento.
Mas de onde vem o dinheiro que financia essas ações de adaptação? Quais medidas podem ser financiadas? O Brasil realmente precisa de mais investimentos? E o que leva uma entidade a destinar recursos para este fim?
Eduardo Baltar, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e CEO da Ecofinance Negócios, explica que há dois tipos de ações para o combate às mudanças climáticas. Um deles envolve procedimentos de mitigação, que buscam reduzir os impactos ao meio ambiente, como a emissão de gases do efeito estufa, e o outro se refere ao conjunto de medidas de adaptação, que levam um local (país, Estado ou cidade) a se adequar aos fenômenos que vêm ocorrendo. Os recursos, portanto, são direcionados para essas duas vertentes.
Para exemplificar as possíveis ações de mitigação, Baltar cita Porto Alegre, onde mais de 60% das emissões de gases poluentes são decorrentes da mobilidade urbana, concentrada, em sua maioria, no transporte individual.
— Para mudar isso, é preciso melhorar o transporte coletivo e as opções de mobilidade ativa para que as pessoas usem menos carro. Precisa ampliar a oferta dos ônibus, melhorar a segurança pública, ampliar e melhorar as ciclovias, ciclofaixas e calçadas. O consumo de energia elétrica é outro tipo de emissão que tem relevância na Capital e trocar as lâmpadas da iluminação pública para led ajuda a consumir menos energia. Então, reduzir as emissões está ligado a esse tipo de coisa e são ações para as quais se encontra financiamento — esclarece o pesquisador.
Já em relação à adaptação, o especialista comenta sobre as cheias do Guaíba, que atingiram principalmente a região das Ilhas:
— Como preparar a cidade para responder a esses fenômenos? O sistema de controle de cheias atual é suficiente para o que vai vir no futuro? Ampliar a arborização das cidades e preservar também são medidas de adaptação que atenuam a temperatura do microclima local em ondas de calor. É para esse tipo de coisa que os gestores públicos têm que estar atentos e para esse tipo de ação que os recursos vêm.
De acordo com Baltar, os recursos para ações voltadas às mudanças climáticas podem surgir de diferentes formas. Para efeito de gestão pública, por exemplo, há órgãos financiadores internacionais, como o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), além de mecanismos multilaterais. Há ainda fundos nacionais gerenciados pelo governo federal. Entidades, empresas nacionais e internacionais e organizações não governamentais, como o ICLEI – Governos Locais para a Sustentabilidade também direcionam investimentos. O pesquisador aponta que as empresas, em específico, costumam agir por uma série de motivos, tendo como ponto principal o mercado.
— O mercado está exigindo que as empresas desenvolvam ações de combate ao problema. Os compradores de empresas exportadoras estão exigindo relatórios que apontem o quanto emitem de carbono e o que fazem para reduzir. Então, para atender o mercado, é importante que a empresa se posicione. A legislação também está mudando em alguns lugares e a identificação dos riscos que a mudança climática traz para a organização são outros fatores que levam à ação — afirma.
Investimentos no RS
A secretária estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, concorda que o financiamento pode vir de diferentes origens, como as empresas multinacionais que dispõem de investimentos e os fundos internacionais. Para exemplificar, relata que o Rio Grande do Sul recebeu um financiamento da Coalizão Under2 para o desenvolvimento de um software.
— Temos também projetos que recebem aporte do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, como é o caso da revitalização de bacias. Temos a opção de adesão de qualquer privado aos projetos de PSA, que é pagamento por serviços ambientais e, ainda, o recurso pode vir do próprio Tesouro do Estado, como aconteceu no Programa Avançar pela Sustentabilidade — comenta a secretária, destacando que, nesse caso, mais de R$ 190 milhões foram disponibilizados para ações alinhadas com o objetivo da pasta.
Brasil precisa de mais recursos?
Apesar de não poder citar exatamente quanto faltaria de fundo para investir em ações climáticas no Brasil, Baltar acredita que seriam necessários mais recursos para dar conta da demanda, sobretudo porque somos um país em desenvolvimento — recorte que abrange nações menos favorecidas e, consequentemente, mais afetadas pelos efeitos da mudança climática:
— Temos deficiências de infraestrutura muito grandes, então precisamos de recursos. Tem a questão do combate ao desmatamento, problemas de saneamento básico, falta de metrô em muitas cidades e outras questões de infraestrutura que têm relação com a natureza e nos ajudariam se estivessem funcionando bem. Então, temos um volume de necessidade de investimento muito grande.
A visão do pesquisador diverge daquela apresentada por outros dois especialistas consultados por GZH. Para Heverton Lacerda, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), não se trata de uma questão de faltar ou não dinheiro, mas sim redirecionar as ações dos governos e as políticas públicas para uma sociedade sustentável.
— É uma questão de modelo social. Temos um modelo altamente destrutivo, que é a repetição do modelo capitalista de desenvolvimento que defende que precisamos de mais dinheiro. Nós discordamos completamente dessa visão. Os recursos que já temos são suficientes se direcionados de forma correta, não precisa de mais dinheiro, não é a única solução. Precisamos direcionar o que temos para um outro modelo de sociedade sustentável — defende Lacerda.
O presidente da Agapan também aponta que as Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (Cops) ocorrem há muitos anos, sem que consigam encaminhar uma solução:
— Estamos em uma sociedade altamente poluída e tudo com a visão do mercado não vai resolver, porque o mercado quer lucro. Se polui com dinheiro e acha que com o dinheiro vai resolver, mas não é bem assim. Não concordamos com a lógica de mercado que é predominante nas Cops, falta muito contato com a sociedade.
Carlos Alberto M. Moraes, professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Unisinos, que trabalha com foco na prevenção da poluição defende que a conscientização é o primeiro passo. Por isso, antes de abordar os financiamentos, acredita que seja dever todos os cidadãos ajudar a preservar, mas também pensar um modelo de economia distinto.
— A economia tem que ser repensada. Não é falta de recurso, o que precisa é que poder público e a indústria privada coloquem seus recursos naquilo que vai fazer com que haja melhoria aos seres humanos. As indústrias têm que reduzir seu lucro e investir cada vez mais em ações para mitigar os impactos que geram — finaliza.