Um desavisado que avistar o Rio Gravataí de longe poderá pensar que não se trata de água, mas sim de um extenso gramado. O fenômeno curioso é justificado pela presença de plantas macrófitas em intensa quantidade, o que faz com que a superfície do rio fique completamente verde em um trecho aproximado de 10 quilômetros no município de Gravataí, na Região Metropolitana.
Conforme a Fundação Municipal do Meio Ambiente (FMMA), a área mais afetada abrange os bairros Parque dos Anjos e Passo das Canoas. No local conhecido como orla do Caça e Pesca, devido à presença da Sociedade Caça e Pesca na região, a água coberta pelas macrófitas flui lentamente, e por vezes dá a impressão de que está parada.
— É um extenso tapete verde. Faz uns 40, 60 dias que esse fenômeno se agravou. Sempre há macrófitas, porque o rio tem uma vazão muito lenta, mas com essa estiagem e com o aporte de nutrientes fora do padrão, essas plantas se proliferaram e estão agora muito visíveis. Está muito nítido — diz o geólogo José Alberto Cariolatto Pinheiro, coordenador do Setor de Controle, Monitoramento e Fiscalização da FMMA.
Os "nutrientes" a que Pinheiro se refere são a matéria orgânica jogada no rio, proveniente principalmente do esgoto não tratado lançado na água. As substâncias presentes nesse material propiciam a proliferação dessas plantas.
Fertilizantes agrícolas também podem contribuir com o fenômeno. Além disso, a falta de chuva faz com que o rio esteja em nível baixo, inferior ao do Guaíba — e isso faz com que ele tenha fluxo lento, de forma com que as plantas permaneçam no local e não sejam levadas pela força da água.
— O Rio Gravataí passa por uma zona urbana muito densa. Apesar de o saneamento estar sendo trabalhado, ainda há muito aporte de esgoto in natura. O que deve estar acontecendo é que a dinâmica urbana está crescendo, tanto os regulares quanto os irregulares — afirma Pinheiro.
Nove municípios estão incluídos na Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí. Além do município que dá nome ao rio, fazem parte Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Glorinha, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha, Taquara e Viamão. Conforme a FMMA, no entanto, o problema maior registrado neste momento é no trecho de Gravataí.
Problema ambiental
As macrófitas atuam como bioindicadores da qualidade da água do rio: quando aparecem, significa que há uma grande presença de matéria orgânica no local. Para Leonardo Maltchik, professor do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Ambientes Aquáticos da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), o descontrole é um problema ambiental:
— É um problema ambiental porque, de forma geral, começa a impedir os usos dos recursos hídricos, como geração de energia elétrica, irrigação, navegação, pesca e a própria recreação. A captação de água também pode ser um problema, porque são necessários controles para retirá-las de lá. Precisa ser resolvido.
Entre as espécies encontradas no Rio Gravataí está a alface d’água (Pistia stratiotes), que, conforme Maltchik, consegue dobrar sua área a cada sete dias. Portanto, é um problema que pode crescer exponencialmente. Entre as soluções possíveis, estão o controle mecânico, o químico (apesar de poucos produtos serem permitidos no Brasil) e biológico, com a colocação de espécies de peixes que se alimentam das plantas.
O pesquisador ainda alerta para o fato de que a presença das macrófitas piora a qualidade da água, já que diminui a quantidade de oxigênio. Isso pode causar a morte de peixes e de outras plantas da região, além de causar mais dificuldade de tratamento:
— A água captada será inferior em qualidade e terá que ser tratada depois. Vai fazer com que se gaste mais dinheiro para melhorar a água, porque ela vai ter muitos nutrientes e pouco oxigênio.
Corsan estuda medidas
Questionada sobre possíveis problemas na captação de água, a Corsan enviou nota afirmando que sempre faz o manejo da vegetação quando há prejuízo e que, no momento, não há grande concentração de macrófitas nos dois pontos de captação. A companhia ainda informou que "não há risco para a população, porque essas plantas não liberam toxinas ou qualquer substância potencialmente tóxica" e que "o processo de tratamento elimina a carga poluidora".
A água do rio abastece as estações de tratamento de Alvorada e de Gravataí. A Corsan informou que foi contatada pela prefeitura e que está analisando os locais junto com empresas especializadas para verificar "necessidade de adoção de medidas de remediação". Nos locais de captação, já são feitas limpezas periódicas.
A Fundação Municipal do Meio Ambiente de Gravataí diz que acionou a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e que não pode agir por contra própria, já que a responsabilidade é estadual. GZH também entrou em contato com a Fepam, que se manifestou por meio de nota.
O órgão diz que recebeu o alerta da FMMA no dia 19 de maio, mas que não se trata de um problema pontual, e sim de um conjunto de situações. A Fepam realiza periodicamente a avaliação da qualidade da água da bacia com base nos dados da Rede Básica de Monitoramento da Qualidade da Água.
O último relatório indica "uma piora nos últimos anos ocasionada pelo excesso de nutrientes, principalmente mais próximo à foz do rio Gravataí, que já apontava para o risco de sua eutrofização". Os principais motivos, conforme o órgão, são "temperaturas mais altas, pHs alcalinos, fluxo hídrico lento ou negativo, estiagem e falta de saneamento, provocando a proliferação de macrófitas aquáticas".
A Fepam também informou que a melhoria da qualidade depende da integração da gestão dos recursos hídricos, e que uma das ações em desenvolvimento pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura é o programa gaúcho Revitalização de Bacias Hidrográficas, que terá investimento de R$ 4,5 milhões de verba federal.
As bacias dos rios Gravataí e Sinos serão as primeiras a receberam investimentos, já que estão entre as mais poluídas.
"As ações têm o intuito de reverter ou reduzir os impactos ambientais ocorridos nestas unidades hidrográficas, com consequências relevantes nas áreas social e econômica. Entre as principais medidas estão a recuperação de áreas de preservação permanente, a recomposição da cobertura vegetal, a elaboração de diagnósticos ambientais, a recuperação e controle de processos erosivos e de áreas degradadas, a conservação da biodiversidade e a promoção da educação ambiental", diz trecho da nota.
Questionada sobre medidas para conter o problema das macrófitas, a assessoria de imprensa informou que não há uma ação específica e que os técnicos acreditam que, caso chova, o acúmulo de plantas será amenizado.