Cindy Shaw, pesquisadora de carbono para o Serviço Florestal Canadense, estuda a floresta boreal – a floresta mais setentrional do mundo, que circunda o norte do globo como um anel de cabelo ao redor de uma cabeça careca.
Alguns anos atrás, ao pesquisar a recuperação do solo da floresta após a exploração de petróleo e gás no norte da província de Alberta, ela viu algo que nunca havia visto antes: minhocas.
"Fiquei maravilhada", conta Shaw. "Logo no primeiro terreno, havia muitas evidências da atividade das minhocas."
A minhoca nativa desapareceu da maior parte do norte da América do Norte dez mil anos atrás, durante a era glacial. Agora, espécies invasoras de minhoca vindas do sul da Europa – sobreviventes daquela era do gelo e introduzidas no continente norte-americano por colonos europeus há séculos – estão abrindo caminho pelas florestas ao norte, espalhadas por estradas, extração de madeira, atividade petrolífera, ranhuras de pneus, barcos, pescadores e até jardineiros.
Quando as minhocas se alimentam, elas liberam na atmosfera grande parte do carbono armazenado no solo da floresta, e isso preocupa os climatologistas.
A floresta boreal é ainda um poderoso absorvedor global de carbono. No entanto, "a minhoca é outro fator que pode afetar o equilíbrio de carbono", escreve por e-mail Werner Kurz, pesquisador do Serviço Florestal Canadense em Victoria, na Colúmbia Britânica. Seu temor é o de que a crescente incursão de minhocas – não apenas na América do Norte, mas também no norte da Europa e na Rússia – possa converter a floresta boreal numa fonte de carbono.
Além disso, a ameaça é tão recente nas florestas boreais que os cientistas ainda não sabem como calcular qual será o efeito do carbono produzido pelas minhocas ou quando eles surgirão.
"É uma mudança significativa para a dinâmica do carbono e para nosso entendimento de como funciona", afirma Shaw. "Não entendemos a fundo a taxa ou a magnitude dessa mudança."
A relação entre o carbono e as minhocas é complexa. Estas são apreciadas por jardineiros porque decompõem material orgânico no solo, liberando nutrientes. Isso ajuda as plantas e as árvores a crescer mais rápido e insere o carbono em tecidos vivos. Alguns tipos de minhoca invasora também depositam carbono no solo mineral.
Mas, enquanto as minhocas aceleram a decomposição, elas também liberam dióxido de carbono na atmosfera. À medida que ocuparem mais áreas do mundo, elas adicionarão mais carbono à atmosfera? Ou o reduzirão?
Essa questão levou ao que Ingrid M. Lubbers, pedóloga da Universidade de Wageningen, na Holanda, batizou de "dilema da minhoca" num artigo publicado em 2013 na revista "Nature Climate Change". Desde então, os cientistas vêm se esforçando para resolvê-lo.
É apenas mais um dos muitos motivos pelos quais é necessário saber mais sobre sistemas. Porque poderia haver um efeito que acirraria a mudança climática e aumentaria as temperaturas.
INGRID M. LUBBERS
pedóloga da Universidade de Wageningen (Holanda)
"É apenas mais um dos muitos motivos pelos quais é necessário saber mais sobre sistemas", argumenta Lubbers em uma entrevista. "Porque poderia haver um efeito que acirraria a mudança climática e aumentaria as temperaturas."
A boreal é especial. O solo de florestas típicas de climas mais quentes é uma mistura de solo mineral e solo orgânico. Já numa floresta boreal, esses componentes são distintos, com uma espessa camada de folhas em decomposição, musgos e madeira caída no topo do solo mineral. Os pedólogos achavam que as temperaturas mais baixas reduziam a mistura; agora, eles se perguntam se a ausência de minhocas foi o que causou a diferença.
Essa camada esponjosa constitui a manta florestal, ou serapilheira, e contém a maior parte do carbono armazenado no solo boreal. Acontece que, aparentemente, a maioria das minhocas invasoras na área boreal norte-americana é do tipo que devora folhas e permanece acima do solo, liberando carbono.
Erin K. Cameron, cientista ambiental da Universidade Saint Mary's, em Halifax, na Nova Escócia, que estuda a incursão boreal de minhocas, descobriu que 99,8% das minhocas em sua área de estudo em Alberta pertenciam à espécie Dendrobaena octaedra, que se alimenta de serapilheira, mas não se enterra no solo.
Em 2015, Cameron publicou os resultados de uma simulação computadorizada que investigava o efeito sobre a serapilheira ao longo do tempo. "O que vemos em nossa simulação é que o carbono no chão florestal é reduzido em 50% a 94%, especialmente nos primeiros 40 anos." Esse carbono, já não mais preso, vai para a atmosfera.
Não só isso. Em um estudo de 2009, ela calculou que a minhoca já havia invadido 9% da floresta do nordeste de Alberta e ocupará metade dela em 2049.
Shaw, do Serviço Florestal Canadense, concluiu que 35 a 40% dos terrenos que ela examinou no norte de Alberta continham minhocas. A serapilheira pode ter mais de 30 centímetros de espessura; porém, onde havia minhocas, estava fina e espargida.
Se os cálculos de Cameron se confirmarem, isso significa que a minúscula minhoca está prestes a alterar o equilíbrio de carbono do planeta, aumentando sua percentagem na atmosfera.
A floresta boreal global integra fortemente o ciclo de carbono da Terra. Segundo Sylvie Quideau, biogeoquímica do solo da Universidade de Alberta, em Edmonton, pelo menos um quinto do carbono que circula na atmosfera, no solo e nos oceanos passa pela região boreal. Atualmente, a floresta boreal absorve mais carbono da atmosfera do que adiciona; no entanto, isso está mudando.
Segundo Kurz, pesquisador florestal da Colúmbia Britânica, as temperaturas mais altas podem, por um lado, prolongar a estação de crescimento, permitindo que as árvores cresçam e armazenem mais carbono. No entanto, o aumento das temperaturas derrete o permafrost e aumenta o número de incêndios florestais, liberando, assim, o carbono na atmosfera.
No geral, ele vê a minhoca como outro fator – se não o principal – que ajuda a transformar a região boreal numa fonte global de carbono.
No norte de Minnesota, a floresta boreal foi lentamente invadida por minhocas. Elas alteraram não apenas a profundidade da serapilheira, mas também os tipos de plantas que a floresta suporta, segundo Adrian Wackett, que estudou minhocas nas florestas boreais norte-americana e europeia para seu mestrado na Universidade de Minnesota, em St. Paul.
Espécies endêmicas como o sapato-de-vênus alvirrosado – a flor-símbolo do estado de Minnesota –, assim como samambaias, orquídeas e brotos de coníferas dependem da camada esponjosa da serapilheira.
Como a minhoca se alimenta dessa manta, ela permite que prosperem plantas não nativas, como a frângula e as gramíneas européias; isso, por sua vez, expulsa plantas endêmicas. Esse processo, combinado com os efeitos do aquecimento ao longo do tempo, pode, segundo Wackett, lentamente transformar a floresta boreal de Minnesota numa pradaria.
"Embora a minhoca seja minúscula e individualmente não pareça constituir uma ameaça, basta lembrar o número de minhocas existentes para entender que são organismos muito importantes, para o bem ou para o mal", avalia Wackett.
No verão passado, Wackett e seu supervisor, Kyungsoo Yoo, pedólogo da Universidade de Minnesota, descobriram que a minhoca invasora também se espalhou em trechos da floresta boreal do Alasca, incluindo a Reserva Nacional de Fauna e Flora de Kenai.
Em áreas severamente afetadas, a biomassa subterrânea de minhocas é 500 vezes maior do que a biomassa de alces nas mesmas áreas. Mesmo onde as minhocas aparecem esparsamente, elas ainda equivalem à biomassa de alces, que é considerada uma espécie fundamental no Alasca.
Para seu horror, Yoo também encontrou minhocas no limite do permafrost ao norte da região boreal. O ritmo de derretimento do permafrost e sua liberação de carbono preocupa grandemente os pesquisadores que vêm modelando a mudança climática.
A maior preocupação de Yoo é que a minhoca penetre ainda mais ao norte da região boreal e se espalhe pelo permafrost. "Só o impacto dela já pode ser bem devastador, tomando como base o que temos visto em Minnesota, Nova Inglaterra e partes do Canadá."
Não há nenhum mecanismo conhecido que erradique a minhoca da floresta boreal; seu efeito é permanente. No entanto, por conta própria, a população de minhocas se alastra menos de nove metros por ano. Wackett argumenta que ensinar as pessoas a não transportá-las até áreas não afetadas ajudará a desacelerar seu avanço.
Enquanto os cientistas analisam os efeitos conhecidos da minhoca, eles também estão de olho num novo invasor: a minhoca asiática, que chegou à região sul de Quebec e Ontário.
"Não tenho certeza de quais são as implicações para o carbono, mas a asiática é bastante agressiva e parece ser uma forte concorrente da europeia", informa Cameron. "Esse é outro problema no horizonte."
Por Alanna Mitchell