Há mais de um século, o zoólogo Joseph Grinnell fez uma pesquisa pioneira sobre a vida animal na Califórnia: uma busca de décadas – a princípio usando um carro Modelo T ou, na sua ausência, uma mula – em todos os cantos e habitat do estado, do Death Valley à High Sierra.
No final, Grinnell, diretor fundador do Museu de Zoologia de Vertebrados da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e seus colegas produziram um dos registros ecológicos mais ricos do mundo: 74 mil páginas de notas de campo meticulosamente detalhadas, registrando os números, hábitos e habitat de todas as espécies de vertebrados que encontraram.
Em 2003, os cientistas do museu decidiram refazer os passos de Grinnell em todo o estado para descobrir quais mudanças teriam acontecido em um século. E foi por isso que Morgan Tingley, na época estudante de pós-graduação em Ecologia na universidade, acabou passando quatro verões caminhando pela Sierra.
Tingley queria saber o que havia acontecido com os pássaros desde que Grinnell fez sua pesquisa. Anos depois, a resposta acabou sendo um pouco chocante.
Dos 32 mil pássaros registrados nas montanhas da Califórnia no estudo novo e no antigo – desde beija-flores do tamanho de um polegar até o espetacular pica-pau –, Tingley e seus colegas descobriram que hoje a maioria das espécies faz seu ninho cerca de uma semana antes do que há 70 ou 100 anos.
Esse ligeiro avanço no tempo se traduz em temperaturas de nidificação de cerca de dois graus Fahrenheit mais frias do que as que as aves enfrentariam se não tivessem adiantado o tempo de reprodução – contrabalançando quase que exatamente o aumento de dois graus nas temperaturas médias registradas no último século.
A análise dos cientistas, publicada no ano passado nos Anais da Academia Nacional de Ciências, mostrou que o ato para reequilibrar a temperatura dos ninhos poderia limitar a exposição dos ovos e dos filhotes frágeis a um superaquecimento perigoso.
O ato de fazer o ninho precocemente já havia sido observado em algumas espécies de pássaros, mas uma mudança comportamental generalizada em uma paisagem muito grande e variada "não estava no radar", afirma Jacob Socolar, cientista pós-doutor do mesmo laboratório de Tingley.
O estudo de 202 espécies mostrou que a maioria delas está se adaptando ao aumento da temperatura com "flexibilidade ignorada", segundo os cientistas – o que dá uma esperança para a vida selvagem em um tempo incerto.
"Isso significa que a mudança climática não é ruim para nós? Não. Mas sempre que descobrimos que uma espécie tem mais mecanismos adaptativos para lidar com a mudança climática, isso é bom", explica Tingley, agora professor assistente de Ecologia e Biologia Evolutiva na Universidade de Connecticut.
Os pesquisadores não são capazes de dizer quais espécies podem se beneficiar mais, ou se a estratégia inicial de fazer o ninho antes da época prevista pode acompanhar o aumento das temperaturas em longo prazo.
Por enquanto, porém, a estratégia parece estar funcionando para as aves.
"Nós vimos datas de nidificação de cinco a 12 dias mais cedo, em média, em todas as aves. Quando traçamos as temperaturas, percebemos que o resfriamento que eles obtêm com esse comportamento é o tanto que a Califórnia se aqueceu no último século", diz Socolar.
Tingley e Socolar colaboraram na pesquisa com Steven Beissinger, diretor do Grinnell Resurvey Project e professor de Biologia da Conservação na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Peter Epanchin, cientista da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional.
Os ecologistas geralmente acreditam que as aves se adaptam ao aumento das temperaturas viajando para altitudes mais elevadas ou para o norte. Elas mudam seu tempo de nidificação por uma razão diferente: para sincronizar com a disponibilidade de alimentos, como no caso de um aparecimento precoce de lagartas gordas ou de um enxame de insetos.
Em 2012, no entanto, os pesquisadores descobriram que cerca de metade das espécies de aves em certas regiões da Sierra haviam permanecido essencialmente onde estavam no século passado, não ampliando significativamente seus habitat para elevações mais frias, embora o clima estivesse se aquecendo.
O novo estudo oferece uma explicação plausível. Se os pássaros puserem seus ovos mais cedo, podem ficar no lugar onde estão há séculos, sem necessidade de migrar para altitudes mais elevadas.
"Em suas mentes, os ecologistas realmente mantiveram as mudanças de região, como a ascensão migratória, separadas das mudanças fenológicas, como aninhamento precoce", explica Peter Dunn, ecologista da Universidade de Wisconsin-Milwaukee, que não participou da nova análise.
"A pesquisa faz com que você perceba que as aves podem manipular todo tipo de coisas, não apenas espacialmente, ao migrar para um lugar mais alto, mas também temporalmente – mudando seu período de nidificação em resposta ao aumento da temperatura."
Tingley e seus colegas também relataram os resultados de um engenhoso experimento mental planejado para testar uma hipótese: que a vantagem de temperatura do ninho precoce significa que mais filhotes vão sobreviver.
Os pesquisadores usaram dados do Projeto NestWatch, uma pesquisa nacional compilada pelo Laboratório de Ornitologia Cornell que utiliza as observações de amadores sobre os "ninhos ativos".
Ao analisar 47 mil registros de ninhos por toda a América do Norte, os pesquisadores mostraram que quando o tempo fica quente de maneira anormal na época da nidificação, os pássaros das regiões mais frias e ao norte de suas áreas têm mais sucesso na criação dos filhotes do que os que estão em locais mais quentes e ao sul.
"A temperatura realmente importa para a sobrevivência dos filhotes", diz Socolar.
"Os ovos e os filhotes estão presos em um só lugar – não podem se deslocar para outro", acrescenta. "E, ao contrário dos adultos, eles não conseguem controlar a temperatura corporal interna. Filhotes de muitas espécies ficam nus, com pouquíssimas penas isolantes por uma semana ou mais."
Um aumento de alguns graus Fahrenheit na hora da nidificação pode fazer toda a diferença, segundo Socolar. Os filhotes são muito mais vulneráveis ao calor do que ao frio.
A mudança climática está tendo outro efeito dramático no comportamento dos pássaros. O estudo de 2012, que também foi parte do Grinnell Resurvey, mostrou que a mesma quantidade de espécies de pássaros em cada região havia se mudado para áreas mais baixas do que para as mais altas durante o aquecimento climático que ocorreu no século.
Os ecologistas ficaram intrigados no início, mas o comportamento acabou tendo um sentido ecológico. É provável que seja uma resposta ao aumento da neve e da chuva em altitudes elevadas no último século nas regiões montanhosas, disse Beissinger.
O aumento da precipitação é uma consequência menos óbvia da mudança climática do que o calor. Mas a chuva e a neve também influenciam muito o comportamento da vida selvagem – e muitas vezes na direção oposta à do calor.
Algumas espécies entre as 202 estudadas podem não ter conseguido mudar seus tempos de nidificação em resposta ao aquecimento do clima.
Os dados da Grinnell Resurvey de 2012 incluíram 30 espécies migrantes de longa distância. Na primavera, maratonistas como as mariquitas-amarelas – que têm cinco centímetros de comprimento e pesam nove gramas antes do voo – viajam mais de três mil quilômetros a partir da América Central para se aninhar em salgueiros, álamos e choupos na América do Norte.
Os números de mariquitas-amarelas estão caindo, mas esses pássaros não se encontram entre os ameaçados. Ainda assim, o que eles enfrentam quando chegam à Califórnia demonstra os desafios dos migrantes tropicais.
Atualmente, essas aves ainda estão no México, ou até mais ao sul, quando a primavera começa nas suas regiões de nidificação na Califórnia. Ao chegar mais tarde na temporada, elas podem perder as pistas para adiantar o tempo de nidificação ou para fazer o ninho em um local mais alto, disse Beissinger.
Os pesquisadores ainda não têm certeza, mas pode ser que os migrantes sejam os menos capazes de adaptar seu comportamento de nidificação ao clima mais quente.
Em algumas regiões revisitadas pela Grinnell Resurvey, o século não foi gentil. Analisando os dados dos desertos quentes e secos do sul da Califórnia, Beissinger e a estudante de pós-graduação Kelly Iknayan descobriram que a maioria das espécies pode estar enfrentando um colapso populacional.
Em outras áreas, a vida selvagem está sendo ameaçada por enormes perdas de terras devido à marcha quase irreversível da agricultura e da urbanização. Os pesquisadores planejam fazer uma análise da Resurvey para examinar o impacto relativo das mudanças climáticas versus as mudanças no uso da terra no número de aves, habitat e diversidade.
A avaliação dos dados Grinnell Survey e Resurvey sobre aves e mamíferos continuará por anos. A comparação dos registros das duas pesquisas separadas por um século oferece um breve histórico de mudanças, como esperado – embora nos estudos dos habitat, o que aconteceu não era realmente o esperado.
Análises do destino da vida selvagem em outras regiões provavelmente trarão mais surpresas. "Temos a chance de aprender mais e mais sobre o passado, o presente e possíveis futuros", afirma Beissinger.
Por Wallace Ravven