Uma sociedade mais sustentável, com melhor aproveitamento de seus recursos e novas oportunidades de geração de renda pode ser construída com atitudes simples, mas que dependem do envolvimento de toda a população. Diariamente, uma fonte de recurso para centenas de famílias de Porto Alegre vai parar no lixo: segundo o Departamento de Limpeza Urbana (DMLU), das 1,2 mil toneladas de lixo que são enviadas diariamente para o aterro sanitário, 23% – ou 276 toneladas/dia – são de materiais recicláveis misturados com resíduos orgânicos. O custo total de destinação é de, aproximadamente, R$ 770 mil por mês. Gasto que poderia ser transformado em fonte de renda se o material fosse encaminhado corretamente via Coleta Seletiva.
Mais do que uma questão de geração de renda, a separação do lixo promove o melhor aproveitamento dos recursos naturais e a proteção ao meio ambiente. A educação ambiental, a fim de conscientizar a população sobre o encaminhamento desse lixo, é um dos grandes desafios do poder público e da própria sociedade, afinal não existe sustentabilidade sem participação do indivíduo. É ele quem influencia o meio em que está inserido, gerando uma corrente de atitudes que pode de fato resultar em um impacto ambiental positivo.
O movimento ReciclaPOA é uma das ações com esta finalidade. Coordenado pelo DMLU, pela Secretaria Municipal de Governança Local e pela Cooperativa Mãos Verdes, realizou uma série de eventos para divulgar a coleta seletiva e a separação e encaminhamento correto dos resíduos. A iniciativa também contou com o trabalho de voluntários, chamados de “agentes especiais”, para disseminar informação e conscientizar comunidades internamente.
Iniciativas que buscam discutir e melhorar a gestão dos resíduos sólidos também são cada vez mais apoiadas por empresas e órgãos públicos. É o caso do Todos Somos Porto Alegre (TSPA), programa da Prefeitura Municipal com o objetivo de promover a emancipação de carroceiros e carrinheiros, por meio de novas oportunidades de trabalho, e fomentar a logística reversa dos materiais recicláveis.
O TSPA trabalhou com três frentes de atuação além do ReciclaPOA. A primeira foram cursos de capacitação em diferentes áreas, como gastronomia, construção civil, elétrica, marcenaria e prestação de serviços. Ao todo, foram mais de 800 treinamentos disponibilizados por instituições como Secretaria Municipal do Trabalho, Pronatec, FIERGS – Bancos Sociais, Pão dos Pobres, Senac Comunidade e outras.
A segunda frente foram melhorias realizadas nas unidades de triagem de reciclagem (UTS) da Capital. Atualmente, 600 famílias que trabalhavam informalmente com a reciclagem estão vinculadas a UTS. Um exemplo foi a Coopertinga. O local recebeu uma assessoria técnica que contribuiu com o aumento da produção e, por consequência, renda dos trabalhadores.
Aprendemos a planejar melhor e usar ferramentas que nos ajudaram a produzir mais. Poderíamos trabalhar com até 120 toneladas de resíduo por mês. Antigamente recebíamos, em média, R$ 600 a R$ 700/mês e hoje conseguimos R$ 1,2 mil e, nos melhores meses, até R$ 1,7 mil
GERNÔ DIAS PRADO
presidente da CooperTinga
Uma quarta vertente deve ser criada em breve: uma linha de beneficiamento de resíduos, técnica que proporciona a transformação do material que resulta do tratamento dos resíduos em matéria-prima. O produto gerado pode ser reutilizado em diversos setores, como filmes plásticos para diversos usos: vassouras, baldes de tinta, entre outros.
Beneficiados conseguiram mudar de vida
Segundo a Cooperativa Mãos Verdes, ao todo, desde a estreia do programa, foram cerca de 2.300 famílias beneficiadas com o programa. Só pelos cursos profissionalizantes foram 986 qualificações alcançadas. Não são poucas as histórias de ex-catadores de lixo que conseguiram uma formação e hoje trabalham formalmente em áreas que eles escolheram prosseguir.
Para costurar precisa de cuidado, habilidade, jogo de cintura. Primeiro pensei: não sou capaz. Depois de estragar três toalhinhas no ponto cruz, antes de acertar a primeira, vi que podia fazer! Aí me convenci que posso sim, basta querer
MARILY FÁTIMA GONÇALVES
Artesã e ex-catadora
É o caso de Marily Fátima Gonçalves, de 47 anos. Moradora da Vila São Pedro, na Capital, é mãe de cinco filhos. Foi o mais velho que começou a trabalhar como carroceiro, com reciclagem. Quando ela e o marido ficaram desempregados, a família se uniu pra trabalhar com a coleta de lixo. E lá se foram 20 anos. Pelo Todos Somos Porto Alegre, ela fez um curso rápido de padaria e, depois, um curso de artesanato com bordado, área com a qual trabalha até hoje. Todas as suas artes têm algum produto fruto da reciclagem. Marily se orgulha da decisão de buscar a profissionalização.
Pegava todo o tipo de lixo e classificava eu mesmo, em casa, para vender
JOÃO MARIA DOS SANTOS
Pintor e ex-catador
João Maria dos Santos, de 50 anos trabalhava como carrinheiro, recolhendo lixo reciclável, desde os 9 anos de idade. João soube dos cursos na Fiergs após a determinação da lei. Queria o de pedreiro, mas como as vagas estavam lotadas acabou fazendo curso de pintura. Muito elogiado pelo professor, acabou sendo contratado como prestador de serviços pela própria entidade.
Porto Alegre discutirá consciência sustentável da população em evento integrado
Nos dias 7 e 8 de abril, Porto Alegre receberá a Virada Sustentável 2018. O festival reunirá cerca de 200 atrações e atividades realizadas simultaneamente em diferentes locais e em cinco “Ecopontos” principais da cidade. O objetivo é mobilizar o público para o entendimento de que pequenos hábitos podem contribuir na formação de uma cidade mais sustentável. Além da Capital, uma série de eventos também ocorre em São Paulo, Salvador e no Rio de Janeiro.
Conectada com o tema, a Braskem, uma das patrocinadoras do evento, levará para a Virada o jogo Recycle Machine, que irá propor uma reflexão sobre a importância da reciclagem. Quem quiser participar da atividade será içado por uma máquina e terá como desafio pegar bolas que representam o papel, o plástico, o vidro e o metal para colocá-los no lixo correto em um tempo pré-determinado.
– Além da brincadeira, os eventos são outra oportunidade para provocar debates sobre a situação do lixo e do meio-ambiente com o objetivo maior de ser um instrumento de conscientização do público para a questão da separação dos resíduos e da reciclagem – avalia João Ruy Freire, diretor de relações internacionais da Braskem.