Na visão de especialistas, quando se fala em engarrafamento, é impossível falar de uma resolução imediata. A melhoria passa por ações de médio e longo prazos, e exige um planejamento atento para não ser reduzida à construção de mais e mais vias – o que só atrairia ainda mais carros, criando um problema insolúvel.
Para tentar amenizar o cenário atual, a EPTC corre atrás da máquina: alternativas como faixas reversíveis, implantação de binários e alterações no tempo dos semáforos são algumas tentativas para deixar a vida de quem anda de carro mais leve. Segundo o diretor-presidente, uma parceria com a Procempa estuda formas de utilizar a tecnologia para melhorar a gestão do trânsito e fornecer informações mais rapidamente a motoristas e usuários do sistema de ônibus.
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A principal aposta para desafogar o trânsito, no entanto, são as obras de mobilidade que ainda geram mais transtornos do que benefícios à Capital. Paralisada por diversos fatores, a construção de trincheiras e viadutos em pontos estratégicos de circulação, para Soletti, deve contribuir para a melhora da circulação. Alternativas desse tipo, porém, são paliativos para uma situação mais complexa, na avaliação de especialistas.
– Fizemos tudo para que o trânsito ficasse melhor. A sociedade pedia e ainda pede para andar de carro, e o poder público vai lá e atende. Mas quando se oferece a estrutura para o automóvel, vem mais automóvel, e isso diminui a qualidade da trafegabilidade. Precisamos inverter a lógica: oferecer mais condições para que se ande a pé, de bicicleta, e de transporte coletivo para que as pessoas façam o uso mais racional do carro – opina o consultor em projetos de circulação viária João Otavio Marques Neto.
Ex-funcionário da EPTC, Neto acredita que é o momento de a prefeitura voltar seus esforços para o transporte coletivo, apressando a conclusão de obras como o BRT, iniciado em 2012 e ainda não concluído. Além disso, segundo o engenheiro, é fundamental melhorar a qualidade das calçadas e a acessibilidade que, na Capital, ainda passa longe das mínimas condições.
"Insistimos num modelo morto", afirma professor de Arquitetura
Inacabadas, obras viárias que prometem aliviar o trânsito em alguns pontos da Capital, como o viaduto da Avenida Plínio Brasil Milano e as trincheiras das avenidas Ceará e Cristóvão Colombo, podem ajudar a diminuir os congestionamentos. Mas tendem a ser insuficientes, além de trazerem um problema conceitual intrínseco: são voltadas apenas ao transporte motorizado.
Opção frequente nas grandes cidades brasileiras, a construção de viadutos, elevadas, abertura de vias e outras intervenções direcionadas para automóveis vão na contramão do que tem sido feito em cidades bem-sucedidas em mobilidade.
– Quando se faz uma cidade voltada para o trânsito, se diminui a importância do espírito público, porque o trânsito prioriza o movimento, não o estar. Mas a cidade existe para estar: é isso que gera riqueza, qualidade de vida, cultura. As grandes cidades do mundo inteiro estão mudando, estão se repensando há 30 ou 40 anos, enquanto nós fomos deixando o modelo continuar. Nós insistimos num modelo morto – diz Valter Caldana, professor da faculdade de arquitetura Mackenzie, em São Paulo.
Reverter a lógica vigente é tarefa complexa, e passa por diferentes frentes de atuação. Na visão do professor paulista, o investimento no transporte coletivo é parte relevante do processo de mudança, mas por si só não resolve o problema. Isso porque apostar em um único modal também sobrecarregaria o sistema, como já ocorre atualmente. A melhor saída, conforme Caldana, é a diversidade: priorizar a circulação a pé ou de bicicleta, conectando os diferentes modais, como bicicleta e metrô, e ônibus e metrô – processo que, aos poucos, começa a ser testado em São Paulo.
Em fevereiro, Porto Alegre perdeu uma oportunidade histórica de dar mais um passo rumo à qualificação do transporte coletivo. Depois de uma novela que se arrastou por quase três décadas, o município perdeu a verba do governo federal para a construção do metrô. Ainda não há investimento para que o projeto saia do papel. As obras do BRT paralisaram por falta de verba. Estagnada, a ampliação da rede cicloviária depende de investimentos externos, como contrapartidas de obras. Segundo a EPTC, não há previsão para a construção de novos trechos.
Mas nem só de alternativas diretamente relacionadas à circulação depende o bom trânsito. A qualificação da mobilidade passa, ainda, pelo diálogo com o planejamento urbano. Promover o uso diversificado dos bairros, permitindo que moradia, comércio e serviços convivam na região ajuda a desestimular os deslocamentos mais longos e aumenta as chances de que o usuário opte por outro tipo de transporte, ou circule menos com o carro.
Para o doutor em transportes João Fortini Albano, o principal desafio é coordenar a implantação das melhorias. Segundo ele, as medidas precisam ser tomadas de forma simultânea: ao mesmo tempo em que se pensam alternativas para os atuais problemas de tráfego, é preciso investir na pavimentação do caminho para outros modais. Enquanto isso não ocorre, o bom senso dos condutores pode ser determinante para evitar dores de cabeça.
– O usuário também tem que saber planejar mais, não só esperar pelas autoridades e reclamar. Tem que escolher melhor a hora de fazer o seu deslocamento, pensar se não pode usar o veículo em outra hora – aconselha.