A divulgação da primeira imagem do buraco negro Sagittarius A*, localizado no centro da Via Láctea e a 27 mil anos-luz de distância da Terra, que aconteceu nesta quinta-feira (12), trouxe esperança e entusiasmo para que a comunidade científica continue realizando estudos na área. A fotografia foi apresentada durante a conferência internacional do consórcio Event Horizon Telescope (EHT), que foi transmitida por entidades parceiras e acompanhada por estudiosos, como a professora da UFRGS Thaisa Storchi Bergmann.
O registro fotográfico divulgado é resultado da fusão de imagens de oito observatórios parceiros que funcionam como radiotelescópios. Eles estão espalhados ao redor do mundo e são operados por mais de 300 pesquisadores de 80 instituições científicas. Durante o processo, essas oito estruturas funcionaram como uma só, o que conferiu tamanho equivalente à Terra. Atualmente, o EHT conta com 11 observatórios.
Para a obtenção da fotografia, a equipe do EHT dedicou cinco anos de intenso estudo, coleta e análise de dados. Depois da obtenção das primeiras informações, em 2017, os dados foram submetidos a modelagem e testes em supercomputadores que contam com ferramentas complexas de análise. Os resultados da observação e do estudo foram publicados nesta quinta-feira (12) no periódico científico The Astrophysical Journal Letters.
Na imagem, não é possível enxergar de forma nítida o Sagittarius A*, devido a alguns fatores como a intensidade da gravidade que puxa tudo ao redor, a distorção no espaço-tempo e a trajetória curva da luz, que é também puxada pelo buraco. Além disso, a tecnologia utilizada captou matérias ao redor e atrás do buraco, necessitando de uma "limpeza" das informações. Apesar dos entraves, é possível perceber no registro uma estrutura semelhante a um halo, formado por gases, que comprova a presença do Sagittarius A*.
O consórcio já é amplamente conhecido pelos cientistas. Em abril de 2019, o EHT divulgou a primeira imagem de um buraco negro supermassivo localizado na galáxia Messier 87 (M87), que fica a 55 milhões de anos-luz de distância da Terra.
Agora, com a obtenção das duas imagens dos buracos negros, os cientistas poderão comparar e contrastar aspectos do Sagittarius A* e do Messier 87. Atualmente, a equipe do EHT começou a utilizar os dados para testar teorias e modelos de como os gases se comportam em cada um dos buracos e garantiu que continuará expandindo seus esforços e tecnologias para aumentar a qualidade dos registros fotográficos obtidos.
O que diz a comunidade científica
A professora do instituto de física da UFRGS Thaisa Storchi Bergmann, que é especialista em buracos negros, assistiu a conferência internacional pelo site do observatório Atacama Large Millimeter Array (Alma), um dos parceiros do EHT e da Universidade. De acordo com ela, foi emocionante poder ver a divulgação de uma imagem que até poucos anos atrás seria inviável.
– Passei toda minha vida científica estudando buracos negros, o efeito que fazem na galáxia, e depois de estudar tanto, ter uma primeira imagem, que é um desafio tecnológico imenso, é muito emocionante. Dá satisfação de ver que a ciência esta mostrando pela primeira vez o buraco negro da nossa galáxia, algo que eu achei que seria impossível ver no meu tempo de vida – falou, emocionada, a professora em entrevista à GZH.
De acordo com Thaisa, a divulgação virtual e aberta à comunidade em geral foi muito importante para que as pessoas pudessem compreender a importância da conquista e para que isso estimulasse a curiosidade pelo estudo na área.
— A gente gostaria que a população sentisse a mesma emoção que a gente (comunidade científica) sente. É um feito muito importante para a ciência, para a gente se conectar com o universo. É uma ode à ciência e à astrofísica — disse.
Segundo a pesquisadora da UFRGS, a divulgação da foto e os estudos que a precederam foram de suma importância para que a teoria da relatividade de Einstein, que previa a distorção do espaço-tempo, e a teoria que considera que os buracos negros estão em rotação fossem comprovadas. O que surpreendeu Thaisa e os pesquisadores da EHT foi que o spin do Sagittarius A* (sentido de sua rotação) está apontado em direção à Terra.
Os esforços da EHT também foram notados pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), que aproveitou que os pesquisadores estavam estudando o buraco para obter informações sobre ele. A agência contou com apoio de seus telescópios de última geração e três observatórios de raios-X, localizados no espaço. Os resultados das observações da Nasa serão utilizados para entender o comportamento do Sagittarius A*, como sua capacidade de coletar, ingerir e expelir a matéria ao redor.
–Estas observações sem precedentes aumentaram grandemente o nosso conhecimento do que acontece mesmo no centro da nossa Galáxia e nos dão novas pistas sobre como é que estes buracos negros gigantes interagem com o meio que os rodeia – explicou Geoffrey Bower, cientista do EHT e pesquisador do Instituto de Astronomia e Astrofísica da Academia Sínica, na cidade de Taipei, capital de Taiwan, em coletiva de imprensa.
O que é um buraco negro?
De acordo com os cientistas, um buraco negro é uma espécie de abismo cósmico que atrai para dentro de si tudo que está ao redor. Como eles atraem, inclusive, a luz, aos olhos humanos ele é percebido como uma estrutura negra.
Segundo classificação adotada atualmente, existem três tipos de buracos negros: estelares, intermediários e supermassivos. Os primeiros são, em geral, menores e são formados quando uma estrela massiva (entre 10 e 100 vezes a massa do Sol) morre numa explosão conhecida como supernova. Já os intermediários são mais raros e têm cerca de 100 a 100 mil vezes a massa do Sol. A última categoria engloba aqueles que habitam os centros das galáxias e que geralmente surgem após a formação delas. Os supermassivos têm entre milhões a bilhões de vezes a massa do Sol.
Uma das questões ainda sem resposta é o que existe dentro de um buraco negro. Em entrevista ao G1, Andrea Gehz, vencedora do Nobel de Física em 2020, disse que essas estruturas são o colapso do entendimento das leis da física e, que por conta disso, ninguém faz ideia do que pode ser encontrado em seu interior.
O Sagittarius A*.
Os astrônomos Bruce Balick e Robert L. Brown revelaram a existência do Sagittarius A* na década de 1970. Inicialmente, o buraco negro era considerado como uma fonte de rádio brilhante no centro da Via Láctea.
O Sagittarius A* tem aproximadamente quatro milhões de vezes a massa do Sol e oito vezes o diâmetro da estrela. Ele está localizado na constelação de Sagitário (visível nos hemisférios norte e sul).
Como não há uma grande quantidade de material sendo atraída para dentro do buraco, os cientistas apresentam dificuldade para a realização de estudos sobre o seu comportamento. O que facilita, por outro lado, as pesquisas é o fato de ele ser o buraco mais próximo da Terra (27 mil anos-luz de distância).
A transmissão
O evento de divulgação da imagem do Sagittarius A* iniciou às 10h com transmissão ao vivo pelo YouTube nos canais do observatório European Southern Observatory (ESO) e da National Science Foundation. A conferência também foi transmitida no site do observatório Atacama Large Millimeter Array (Alma). Assista: