A iniciativa criativa de uma escola pública gaúcha pode ajudar a modificar o entendimento sobre o uso do plástico no dia a dia. Em um experimento no laboratório de química, três alunas da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha desenvolveram uma embalagem biodegradável, tendo como componente principal o caroço da manga. O bioplástico foi moldado em fôrmas semelhantes às da base de cup cakes e pequenos bolos, mas tem como objetivo substituir, por exemplo, o embalagens em redes de fast-foods.
— Principalmente na quarentena, muito lixo se acumulou em casa, e por vezes ele para em lugares inadequados, nos oceanos e até matam espécies marinhas. Podemos diminuir a poluição com o nosso potinho, guardando maionese ou batata frita — justifica uma das autoras do projeto, Thielly Kailany de Freitas dos Santos, 18 anos.
A instituição fica em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, e é ligada à Secretaria Estadual da Educação. Tem 2,7 mil alunos matriculados. No ensino médio e técnico, os estudantes cursam quatro anos letivos, além de um estágio iniciado no semestre seguinte à conclusão do currículo. É necessária a apresentação de um trabalho final, antes de encerrarem os estudos, uma espécie de TCC, como exigido no ensino superior. Foi para essa demanda que as jovens iniciaram a pesquisa, ideia que surgiu em outubro de 2020, em um momento mais do que trivial: quando Maria Eduarda Prado Viegas, 19 anos, terminou de comer uma manga.
— Era um período em que eu comecei a observar mais, para opções do nosso projeto científico. Eu tava comendo a manga e notei que o caroço era fibroso, aí comecei a pesquisar e mandei e-mail pra professora, mesmo nas férias — admite.
Inicialmente, o trio pensou em explorar o material na indústria têxtil. Porém, o impacto do plástico comum – que, estima-se, leva 400 anos para se decompor – pesou na escolha, e o bioplástico foi escolhido como projeto de pesquisa. Em média, o novo composto criado se dissolve em três semanas.
O utensílio biodegradável levou o grupo aos finalistas do Prêmio Respostas para o Amanhã, promovido pela Samsung e organizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). As gurias são a única equipe do Rio Grande do Sul na lista das 10 que concorrem ao troféu.
Clara da Silva Brum, 18 anos, crê na mudança do mundo através da ciência.
— É o que a gente quer, mudar o mundo. Mudando as pessoas, para elas mudaram o mundo — idealiza.
A próxima etapa do concurso será entre 12 e 17 de novembro, com a votação do júri popular no site respostasparaoamanha.com.br. Haverá ainda a escolha de três projetos pela comissão julgadora.
As estudantes também criaram uma conta no Instagram, onde é possível acompanhar a evolução do trabalho.
Como a embalagem é produzida
Em laboratório, o processo leva cerca de 21 dias para ser executado: primeiro, o caroço da manga é secado ao sol, de uma a duas semanas. Depois, é cortado em pedaços menores e triturado no liquidificador. Com a espécie de serragem que se obtém, é criada a formulação biodegradável, adicionando amido, glicerina e água. Aquecidos até adquirirem consistência, os insumos são levados a uma estufa, para a secagem final antes da prensa, que dá o formato desejado.
Professora de Química, Schana Andréia da Silva, 43 anos, estima que esse processo, em escala industrial, poderia ser reduzido a um único dia, desde que se use o maquinário indicado. Uma das orientadoras do projeto, ela pensa além: a fibra extraída da fruta pode ser usada para fabricar recipientes maiores, como caixas, desde que mantenha o propósito de sua concepção, que é ser de fácil deterioração.
Atualmente, a embalagem é recomendada para alimentos secos, evitando que rasgue com a umidade. Caso evolua para carregar líquidos ou comidas muito gordurosas, precisará de um impermeabilizante biodegradável.
— Aí podemos pensar em usar como pote de sorvete ou até de café — vislumbra a professora, dupla na orientação do trabalho.
Apesar de ter aparência frágil, o material é resistente, garantem as docentes e suas “pupilas” da ciência. A cor, de tons amarelo escuro e marrom, se deve a não passar pelo processo de clareamento, nocivo à natureza.
Também professora de Química, Schirlei Viviane Rossa, 38 anos, se mostra feliz com a repercussão da descoberta.
— Esperamos que todos os alunos se sintam provocados e tentem encontrar respostas para os problemas do dia a dia — finaliza.