As pesquisas sobre estímulos cerebrais estão avançando tão rapidamente e os achados são tão intrigantes que um leitor pode cair na tentação de simplesmente reservar seu ativador de genialidade quando estiver disponível na Amazon para conseguir dar conta de decifrar tudo isso.
Apenas no mês passado, cientistas relataram ter aprimorado a memória funcional de pessoas idosas passando uma corrente elétrica por um capacete craniano e reabilitando a função cognitiva de uma mulher, cujo cérebro estava comprometido, com o uso de eletrodos implantados.
Mais recentemente, a Food and Drug Administration (agência federal norte-americana responsável pelo controle de alimentos e remédios) aprovou um estimulador do tamanho de um celular, cujo propósito é amenizar problemas de déficit de atenção ao liberar uma corrente elétrica por meio de um emplastro afixado na testa.
No ano passado, outro grupo de cientistas já tinha anunciado a criação de um implante cerebral, que potencializaria o armazenamento de memória. Enquanto isso, uma subcultura do "faça você mesmo" continua a crescer, com pessoas que estão experimentando eletrodos na própria cabeça e na testa para conseguir "calibrar" o cérebro.
Prever para onde todos esses esforços vão nos levar, além de como e quando poderão convergir em uma única metodologia, segue sendo um exercício especulativo.
A neuroestimulação abrange um escopo demasiadamente diversificado de técnicas para uma variedade de aplicações e de qualidade heterogênea. Entre as únicas certezas, as de sempre: o ativador de genialidade não vai surgir no futuro próximo e qualquer artefato para bombar o cérebro e que ofereça benefícios reais provavelmente não estará livre de riscos.
Mesmo assim, vale a pena estar de olho nessa área, pois ela oferece dicas de algumas propriedades elementares da função cerebral. Diferentemente das medicações psiquiátricas, ou da psicoterapia, os pulsos oriundos da corrente são capazes de modificar o comportamento das pessoas rapidamente e de maneira confiável. Quando se liga a corrente, as coisas acontecem; quando ela é desligada, o efeito cessa ou diminui.
Para começar a entender realmente o que há de mais atual na ciência, é útil ter uma imagem funcional do circuito elétrico cerebral – ou seja, uma metáfora. As metáforas podem ser arriscadas quando aplicadas ao cérebro; elas são, por natureza, inadequadas e, ao escolher uma, corre-se o risco de apoiar uma intervenção, inclusive um estímulo cerebral, com riscos desconhecidos.
A metáfora da orquestra é um bom ponto de partida. Um cérebro que produz um bom som é semelhante a Mozart, com muitos instrumentos neurais diversos e especializados, em sintonia, criando um sentido de unidade.
"Em cada momento, enquanto rege, você trabalha visando coordenar a totalidade dos instrumentos para que estes toquem no mesmo ritmo, com a mesma intensidade. Estou sempre alternando entre escutar, guiar e acompanhar: indo e voltando de uma à outra, aprovando o som, recebendo ou fazendo ajustes", descreveu James Conlon, diretor musical da Ópera de Los Angeles e principal regente da Orquestra Sinfônica Nacional RAI, em Turim, na Itália, durante entrevista concedida por telefone.
Quando você assiste à apresentação de uma orquestra, percebe que, assim que o espetáculo começa, o violoncelista olha para o músico ao seu lado, e não para o maestro. A mesma coisa provavelmente acontece no cérebro. A pergunta, para mim, é se o cérebro tem um maestro.
MICHAEL GAZZANIGA
psicólogo, Universidade da Califórnia (Santa Bárbara)
Os cientistas que estudam o cérebro geralmente relacionam a função cerebral a uma sinfonia. "Quando você assiste à apresentação de uma orquestra, percebe que, assim que o espetáculo começa, o violoncelista olha para o músico ao seu lado, e não para o maestro. A mesma coisa provavelmente acontece no cérebro. A pergunta, para mim, é se o cérebro tem um maestro", questionou Michael Gazzaniga, psicólogo na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara.
A maneira mais pura de intervenção elétrica é a eletroconvulsoterapia, ou ECT, que consiste em enviar estímulos elétricos cerebrais para gerar uma convulsão, oferecendo alívio temporário a algumas pessoas com depressão grave.
Os médicos vêm usando a ECT há quase um século, embora continue sendo um tratamento controverso para muitos pacientes. De forma metafórica, a ECT seria como interromper a apresentação da orquestra e mandar para casa os músicos, do oboé aos tímpanos, para que descansem até o dia seguinte, quando deverão retornar renovados.
Uma forma mais dirigida de terapia elétrica, chamada estimulação cerebral profunda, ou ECP, tem sido usada para lidar com condições como a doença de Parkinson e a epilepsia. Na ECP, um eletrodo é inserido em uma área específica do cérebro que esteja causando problema; ao estimulá-la, ele paradoxalmente suspende a atividade naquela região determinada.
Se uma área particularmente forte está desafinada, "pode afetar todo o sistema, fazendo com que a orquestra soe estranha", explicou a médica Helen Mayberg, diretora do Centro de Terapias Avançadas de Circuito da escola médica do Hospital Mount Sinai. Ela é responsável por desenvolver estratégias de ECP para depressão severa.
"Você pode pensar nisso como demitir todo mundo de uma mesma seção" – mandando todos os percussionistas para casa permanentemente, ilustrou Mayberg. "A precisão é absolutamente imprescindível."
Os estudos mais recentes sobre estímulo cerebral empregam uma técnica diferente tanto da ECT quanto da ECP, mas que também pode ser entendida por meio da metáfora da orquestra. Em um deles, cientistas da Universidade de Boston descobriram que poderiam melhorar a memória funcional de adultos mais velhos otimizando a chamada "associação" rítmica entre as áreas do córtex frontal e temporal do cérebro humano.
No cérebro, as atividades de regiões distantes são coordenadas por meio de ondas de baixa frequência teta. Os pesquisadores usaram estímulos elétricos, enviados por um capacete, para amplificar essas ondas, deixando as duas regiões cerebrais mais coordenadas e, em adultos mais velhos, melhorando também a memória útil.
"Acreditamos que, essencialmente, estamos sincronizando essas duas áreas separadas", informou Robert M. G. Reinhart, neurocientista da Universidade de Boston e um dos autores do mencionado estudo. De fato, os estímulos funcionam como um regente de orquestra, que escuta, sintetiza e dá o direcionamento.
Em outra análise recente, uma equipe de cientistas do cérebro descobriu ser capaz de reduzir ou reverter os sintomas de fadiga, baixa concentração e confusão mental em uma mulher vítima de dano cerebral severo em decorrência de um acidente de carro 18 anos antes.
A estratégia foi aplicar uma corrente contínua, durante as horas de vigília, por meio de dois eletrodos implantados em cada lado do tálamo, localizado na região profunda do cérebro e normalmente descrito como um centro de transmissão fundamental do órgão. Metaforicamente, eles aumentaram o volume – ou, quem sabe, fizeram com que o maestro batesse fortemente as mãos e olhasse com severidade para os músicos.
Claro, uma metáfora é apenas uma metáfora e somente um passo na direção de decodificar o mistério mais íntimo da consciência. Mas, em tempos de ofensiva tecnológica, de terapias cada vez mais de ponta e de queixas em menor e maior grau, é melhor ter em mente alguma ideia de como o cérebro funciona do que ficar no escuro.
Por Benedict Carey