Os elefantes poderiam ter muito câncer. São animais enormes, pesando até oito toneladas. Muitas células são necessárias para formá-los. Todas essas células nascem de um único óvulo fertilizado e, a cada vez que uma delas se divide, existe a chance de que ocorra uma mutação – que pode levar ao câncer.
Curiosamente, porém, os elefantes não são mais propensos a esse problema do que animais menores. Algumas pesquisas até sugerem que eles têm menos câncer do que os seres humanos.
Há poucos dias, pesquisadores informaram o que pode ser uma solução parcial desse mistério. Os paquidermes se protegem com um gene que mata agressivamente células cujo DNA foi danificado.
Em algum lugar ao longo da evolução, o gene se tornou inativo. Contudo, foi ressuscitado de alguma forma, um pouco de "DNA zumbi" que demonstrou ser particularmente útil.
Vincent Lynch, biólogo da evolução da Universidade de Chicago e coautor do estudo publicado em Cell Reports, diz que compreender como os elefantes combatem o câncer pode inspirar o desenvolvimento de novos remédios.
— Isso pode nos dizer algo fundamental sobre o câncer enquanto processo. E, se tivermos sorte, pode nos mostrar como tratar a doença humana — afirma Lynch.
Os cientistas se mostram perplexos com o câncer – ou sua ausência – em animais grandes desde a década de 1970. Nos últimos anos, pesquisadores começaram a executar estudos detalhados de genes e células dessas espécies, procurando estratégias inesperadas para combater a doença.
Parte da pesquisa inicial se concentrou no bem estudado gene anticâncer chamado p53. Ele produz um proteína que pode perceber quando o DNA é danificado. Em resposta, a proteína muda uma série de outros genes.
Uma célula pode reagir reparando os genes danificados ou pode se matar, para que seus descendentes não tenham a chance de ganhar ainda mais mutações.
Em 2015, Lynch e colegas descobriram que os elefantes desenvolveram genes p53 incomuns. Enquanto nós temos somente uma cópia dele, os elefantes têm 20. Pesquisadores da Universidade de Utah, trabalhando de forma independente, fizeram a mesma descoberta.
Isso pode nos dizer algo fundamental sobre o câncer enquanto processo. E, se tivermos sorte, pode nos mostrar como tratar a doença humana.
VINCENT LYNCH
Biólogo da evolução
As duas equipes observaram que o enxame de genes p53 nos elefantes reagem agressivamente ao DNA danificado. Os corpos não se dão ao trabalho de consertar células, somente orquestram a morte das danificadas.
Lynch e colegas continuaram a busca por genes que combatem o câncer e logo encontraram mais um, chamado LIF6, que somente os elefantes parecem ter. Em reação ao dano no DNA, as proteínas do p53 nos elefantes mudam para LIF6. A célula faz proteínas LIF6 que depois causam o estrago.
Os experimentos de Lynch indicam que as proteínas do LIF6 viajam até a mitocôndria, a geradora de combustível da célula. As proteínas abrem buracos na mitocôndria, permitindo que as moléculas saiam. Como as moléculas da mitocôndria são tóxicas, a célula morre.
— Essa é uma peça importante do quebra-cabeça — afirma Joshua D. Schiffman, oncologista pediátrico do Instituto Huntsman de Câncer da Universidade de Utah, que também estudou esse mal nos elefantes.
São necessários mais experimentos para confirmar que o LIF6 funciona como Lynch e colegas propõe, assegura Schiffman.
— Como um começo, considero fantástico — diz.
O LIF6 tem uma história evolutiva bizarra. Todos os mamíferos carregam um gene similar, simplesmente chamado LIF. Em nossas células, ele realiza várias funções, como enviar sinais de uma célula para outra, contudo, a maioria dos mamíferos tem somente uma cópia.
As únicas exceções à regra são os elefantes e seus parentes próximos, como o peixe-boi, constataram Lynch e colegas. Esses mamíferos têm várias cópias do LIF; os elefantes têm 10. As cópias surgiram graças a mutações descuidadas nos ancestrais de peixes-boi e elefantes há mais de 80 milhões de anos.
Essas novas cópias do gene LIF original não têm um trecho do DNA que age como botão de liga e desliga. Por causa disso, os genes não conseguiam produzir proteínas; os humanos também têm milhares de cópias de pseudogenes.
Depois que os ancestrais dos elefantes evoluíram para 10 genes LIF, no entanto, ocorreu um feito notável: um desses genes mortos voltou à vida – o LIF6. Durante a evolução do elefante, uma mutação celular inseriu uma chave genética próxima ao LIF6, permitindo que o p53 o ativasse. O gene ressuscitado agora tornava a proteína capaz de algo novo: atacar a mitocôndria e matar as células danificadas.
Para descobrir quando o gene LIF6 voltou à vida, os pesquisadores examinaram DNA encontrado em fósseis. Mastodontes e mamutes também tinha o LIF6. Cientistas estimam que eles compartilhavam um ancestral comum com os elefantes modernos que viveu há 26 milhões de anos.
Lynch especula que o LIF6 voltou à vida na mesma época em que os ancestrais dos elefantes atuais ganharam cópias extras do p53. À medida que desenvolviam defesas mais poderosas contra o câncer, os animais puderam atingir seu tamanho enorme.
Os elefantes provavelmente evoluíram outros genes novos que seguem as ordens do p53, prevê Lynch. Ele também suspeita que os animais também criaram formas de combater o câncer completamente separadas do p53:
— Acho que é tudo isso. Existem muitas histórias como a do LIF6 no genoma do elefante e quero conhecer todas elas.
Por Carl Zimmer