Os momentos finais da vida de oito pessoas que atravessaram a fronteira e cujos restos mortais foram encontrados no deserto do Arizona, nos dois últimos anos, continuarão sendo um mistério. O que se sabe apenas é a causa de sua morte, como a de muitos imigrantes, registrada pelo médico legista do Condado de Pima: "Excesso de calor, exposição a ambiente muito quente"; "hipertermia devido à exposição aos elementos"; "desidratação, hipotensão arterial e hipertermia devido à exposição ao calor no deserto". A lista continua.
A desolação de suas mortes na perigosa região ao longo da fronteira é agravada por outra indignidade: as identidades destes oito homens permanecem desconhecidas. As ferramentas tradicionais utilizadas por médicos legistas para identificar restos humanos, incluindo DNA e comparações dentais, ainda não tinham oferecido alguma pista.
Agora, a última tentativa de identificar os mortos e ajudar a trazer algum tipo de conforto a suas famílias não é do médico legista em Tucson, mas de um lugar mais peculiar: uma oficina de reconstrução facial da Academia de Arte de Nova York.
O curso, ministrado por Joe Mullins, artista forense do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, dedica-se à reconstrução dos rostos dos migrantes que perderam a vida no deserto. Essa oficina reflete a sofisticação cada vez maior do campo da regeneração facial forense – uma fusão de ciência, arte e antropologia em que o crânio é usado para construir um rosto e para ajudar os investigadores a identificar os mortos. É particularmente útil em casos de crime ou desastres em massa.
Jovens alunos de pós-graduação, cuja formação clássica rigorosa inclui anatomia, estão trabalhando com réplicas dos crânios impressas em 3D com base em tomografias dos originais, considerados provas forenses.
Meticulosamente reproduzidos com o barro aplicado sobre os crânios copiados, com bolinhas de gude no lugar dos olhos, as reconstruções dos alunos estão expostas na academia até 29 de março.
"Somos criaturas visuais," disse Bruce Anderson, antropólogo forense da agência de medicina legal do Condado de Pima. E acrescentou: "Quando não temos um rosto visível, por causa da decomposição, pedimos que artistas nos façam uma reprodução da aparência de uma pessoa, visando chamar a atenção para um caso específico". As reconstruções da academia foram postadas no NamUs, o Sistema Nacional de Pessoas Desaparecidas e Não Identificadas do Instituto Nacional de Justiça.
As mortes de migrantes ao longo da fronteira dos EUA com o México aumentaram no ano passado, apesar de uma diminuição no número de tentativas de cruzá-la, de acordo com a Agência Americana de Migração. Desde 2001, os restos mortais de aproximadamente 2.800 migrantes foram encontrados só no Condado de Pima, representados por um mar sombrio de pontos vermelhos nos "mapas da morte", produzidos pela Iniciativa OpenGIS para Migrantes Falecidos do Arizona.
Destes, cerca de mil ainda não foram identificados. O reforço do policiamento da fronteira e de políticas de deportação levou os migrantes a tentar atravessá-la em locais mais ermos, com condições brutais.
"Quem passa muito tempo nesse tipo de terreno faz isso sabendo do alto número de mortes", disse Robin Reineke, cofundador e diretor executivo do Centro Colibri de Direitos Humanos em Tucson, uma organização de defesa que faz relatos de migrantes desaparecidos e que realiza pesquisas de DNA. "É chocante o silêncio que nosso país mantém sobre esta questão."
Peritos em reconstrução forense como Mullins, que se especializou em progressão de idade – ou como uma criança desaparecida se pareceria anos mais tarde, por exemplo –, busca características distintas, tais como cicatrizes, um nariz quebrado, ou, em um caso, aparelho nos dentes.
Ele alerta os alunos que é preciso deixar de fora a licença artística. "Você precisa ter esse dom artístico fluindo em suas veias, mas se reconstrói um rosto de forma errada, a pessoa vai continuar perdida", ele lhes diz.
Reconstruir um rosto com precisão científica envolve a montagem de músculos e tecidos moles camada por camada, usando tiras de barro. Em seguida, os alunos colocam pedaços de canudos de plástico na argila para marcar as profundidades do tecido, que são baseadas nas médias de idade, sexo e origens culturais fornecidas pelos investigadores. Antonia Barolini, especialista em pintura de 23 anos, disse que escolheu a academia por causa da aula de Mullins, pois sempre sonhou em ser agente do FBI.
O crânio no qual ela estava trabalhando tinha as maçãs do rosto pronunciadas, um queixo desigual e uma mordida distinta. O homem tinha entre 18 e 22 anos quando morreu, de acordo com o médico legista do Condado de Pima. "Ele era mais novo que eu. Essa parte foi muito difícil", observou Barolini.
O curso, em seu quarto ano, originou-se de uma relação de trabalho entre Mullins e Bradley J. Adams, diretor da antropologia forense do IML de Nova York, que recebeu uma verba do Instituto Nacional de Justiça para comprar uma impressora 3D. "Reconstruções faciais visam oferecer uma vantagem investigativa para casos antigos. A esperança é que alguém que conhecia a pessoa veja a reconstrução, reconheça algumas semelhanças e notifique as autoridades de uma possível identificação", disse Adams.
Nem todo crânio veio do deserto, mas muitos têm histórias terríveis. Madison Haws, 25 anos, aluna de pintura da academia, recebeu um crânio não identificado de Nova York, que foi recuperado em um espaço exíguo no porão de uma casa de repouso em Queens, hoje fechada. A mulher tinha perdido os dentes, o que deu a seu rosto uma aparência afundada, capturada na reconstrução de Haws. "Parte de mim teme que ela tenha sido abandonada. Espero que alguém a esteja procurando, para que seus restos mortais possam descansar em paz."
Ela e seus colegas agora fazem parte de um grupo de artistas da reconstrução facial, desde as antigas máscaras funerárias usadas para cobrir os rostos de múmias do Egito até anatomistas como Gaetano Giulio Zumbo (1656-1701), que recriou os músculos faciais com cera sobre crânios reais. O currículo da academia inclui a arte do écorché, esculpindo figuras sem pele, com os músculos expostos (é um pouco chocante ver essas imagens de barro espalhadas pelos estúdios dos alunos).
Karen T. Taylor, considerada uma referência na profissão e consultora da série de TV "CSI", disse que a complexidade de sua ocupação um tanto esotérica é muitas vezes subestimada, pois às vezes os próprios policiais fazem a reconstrução, em vez de pedi-la a artistas treinados que trabalham em conjunto com os antropólogos e dentistas. Entre os profissionais, o equilíbrio entre a habilidade artística e os padrões científicos continua a ser debatido.
"Quem não tem habilidades artísticas produz rostos menos realistas, e aqueles sem rigor científico produzem peças imprecisas e não confiáveis", disse por e-mail Caroline Wilkinson, diretora da Faculdade de Arte e Design da Universidade John Moores, em Liverpool, na Inglaterra. Ela lidera o "Laboratório do Rosto" cujas representações mais célebres incluíram Ricardo III, J.S. Bach, Ramsés II e Mary, rainha dos escoceses.
Na academia, conforme os rostos criados pelos alunos vão tomando forma, a sala começa a passar uma sensação de espaço sagrado. "É estranho. Eles se tornam pessoas", disse Michael Fusco, 30 anos, aluno cuja especialidade é a pintura.
Dois dos oito imigrantes acabaram sendo identificados, independentemente do curso, mas o deserto ainda contém um número incontável de desaparecidos. Para Mullins, as aulas representam a possibilidade de oferecer uma conclusão à história de todos aqueles que pereceram, talvez em busca de uma vida melhor.
"Foi uma aposta que lhes custou a vida, mas não deveria lhes custar a identidade", disse Mullins.
Por Patricia Leigh Brown