Tudo começou com uma perna boiando.
Ou, mais especificamente, a ideia surgiu com a perna tatuada de uma mulher que se movimentava no mar de Key Largo, Flórida, vista nitidamente através dos óculos de mergulho de Patrick Duffy. Junto com o pai, ele é responsável por um programa terapêutico para militares veteranos, e acabou se inspirando na tatuagem, feita em homenagem ao falecido marido da moça, um fuzileiro naval morto em combate.
"Naquele momento, pensei que seria legal transformar a tatuagem em um relicário, colocar alguma coisa importante para ela, talvez até mesmo o próprio marido", disse Duffy.
Quatro anos, um punhado de colegas dedicados e quase uma dúzia de patentes mais tarde, Duffy concretizou a ideia com o Everence, um produto que ele e seus parceiros esperam possa aprofundar laços – de forma mais literal e física – entre familiares, amigos e entes queridos.
Não dá para ser mais biologicamente íntimo que isso: o Everence é uma substância em pó sintetizada a partir de uma amostra de DNA, algo tão simples quanto coletar com um cotonete alguns milhares de células da boca de uma pessoa, ou usar as cinzas de uma cremação. Um pequeno frasco de Everence pode ser levado a um tatuador e adicionado a qualquer tipo de tinta.
O resultado: uma tatuagem com o DNA de outro ser humano – ou, se preferir, um cachorro, um gato ou outro amigo peludo.
Ao fazer isso, Duffy e a Endeavor Life Sciences, sua empresa, se juntam às imensas fileiras de biohackers, artistas e tecnólogos que enveredam pelo mundo da arte da tatuagem biogênica. Há anos, muitos misturam as cinzas, o cabelo ou outro material com a tinta para incluir produtos orgânicos na tatuagem.
Mas essa prática sempre pertenceu a artistas underground, uma subcultura em si, com um apelido lúgubre: "tinta mórbida". Até agora, era um gesto simbólico, pois o material orgânico usado acabava sendo absorvido pelo corpo.
Outros não levam a prática a sério, vendo-a como parte do movimento crescente de "bodyhacking", algo como "Neuromancer" cruzado com "Miami Ink". Os biohackers são muitas vezes desprezados por cientistas graças à sua abordagem mais relaxada, ou mais aventureira, de questões éticas da medicina.
Nos últimos anos, pode-se dizer que a prática foi retomada por observadores entusiastas. Há a multidão do faça-você-mesmo, como a Skin46, que tenta angariar fundos no Kickstarter para a busca da tatuagem biogênica com base em amostras de cabelo. O canadense CGLabs está lançando seu próprio método, basicamente divulgado como preservação de DNA (embora não necessariamente para a população tatuada).
O Everence tem uma abordagem diferente. Os clientes enviam amostras de DNA para o laboratório da Endeavor em Quonset, Rhode Island, onde o material é triturado, esterilizado e fechado em cápsulas microscópicas de PMMA – conhecido como plexiglás – que é frequentemente usado em procedimentos médicos como dentaduras, cimento ósseo e cirurgia cosmética.
Graças a esse invólucro, em vez de o DNA desaparecer no corpo, ele é capturado permanentemente pela tinta da tatuagem, o que para Duffy e seus parceiros, cria uma ligação ainda mais palpável e forte.
A ideia é curiosa e tocante, especialmente vinda de Duffy, um nova-iorquino franco e sério de 40 anos com experiência no setor imobiliário e diploma em Ciências Políticas – mas quase uma década depois de iniciar com seu pai o programa de mergulho terapêutico para veteranos, que não tem fins lucrativos, ele disse que quer encontrar novas maneiras de conectar as pessoas, ao mesmo tempo em que homenageia aquelas que se foram.
Por ser um novato no mundo da arte da tatuagem e da engenharia biomédica,
passou os últimos quatro anos procurando especialistas em ambos os campos, e acabou encontrando orientadores, incluindo o Dr. Bruce Klitzman, professor associado de Cirurgia na Universidade de Duke, que apoia a prática, afirmando ser tão segura quanto qualquer tinta tradicional de tatuagem.
Duffy e Edith Mathiowitz, professora do Centro de Engenharia Biomédica da Universidade Brown, patentearam a tecnologia. O trabalho do Mathiowitz se concentrou nos efeitos que o uso de polímeros como o PMMA pode ter no corpo humano, e que, anteriormente, trabalhou em projetos de tinta de tatuagem removível.
Para a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA), as tintas para tatuagem são cosméticas, designação que o Everence também vai adotar. Historicamente, a agência não as regulamenta, embora continue a avisar os consumidores dos riscos inerentes da tatuagem, incluindo infecções, reações alérgicas ou desenvolvimento de granulomas causados por partículas estranhas no corpo.
Duffy insiste que fez tudo o que foi necessário em termos de segurança. E, em uma entrevista, Mathiowitz observou que a empresa vai seguir os regulamentos estritos da elaboração de cosméticos, conforme descrito pela FDA.
Duffy também fez parceria com Virginia Elwood, artista de tatuagem de 37 anos do Brooklyn, que gostou da ideia assim que leu o e-mail. O encontro dos dois foi um golpe de destino: a mensagem mandada por ele caiu na sua pasta de spam, e ela só abriu porque achou que ele era o ator que interpretou o pai no seriado "Step by Step", da década de 1990.
Infelizmente, era um Duffy diferente, mas Elwood gostou da ideia dele. Ela tem uma tatuagem que combina com a de sua companheira, Stephanie Tamez, ambas contendo o Everence na tinta. Elwood também planeja fazer uma tatuagem com o DNA de sua mãe, que morreu de câncer anos atrás.
"Estamos conectados a tantas coisas neste mundo, seja através das redes sociais ou fotos na nuvem, e, pessoalmente, acho tudo muito vazio às vezes. Então, em vez de guardar algo precioso para mim ou salvar uma foto em um servidor, estou na verdade carregando no meu corpo, na minha pele", disse Elwood.
Elwood, Duffy e o sócio Boyd Renner também conseguiram o apoio de dezenas de artistas da tatuagem, como Scott Sylvia, Valerie Vargas e Mike Rubendall, que vão promover o Everence para seus incontáveis seguidores. Conquistar esses nomes do mundo da tatuagem não foi fácil, considerando-se a natureza delicada do assunto.
Não será tão rápido e barato quanto escolher um desenho para ser tatuado em uma noite não muito sóbria de sexta-feira: o Everence será vendido por US$650, incluindo o kit, o processo de criar o pó e o envio do resultado final ao cliente meses mais tarde. Esse é, por enquanto, o preço de um produto permanente que vai se tornar parte do cliente para o resto da vida. (Inicialmente, o Everence deve aceitar uma quantidade limitada de encomendas para avaliar a demanda, e a empresa oferecerá planos de pagamento para aqueles que não puderem pagar tudo de uma vez.)
As possibilidades podem ir muito além das tatuagens. Duffy vê um futuro no qual pinturas, tecidos ou outros itens que tocam emocionalmente utilizarão o Everence. Para ele, o importante é continuar com essa ideia que lhe surgiu um há anos com uma perna tatuada.
"Não tem efeito como remédio, nem serve para deixar o corpo sarado; o que vale aqui é a emoção", disse Duffy, cujo braço quase fechado contém o Everence de sua filha tatuado em alguns pássaros negros em revoada.
Por Mike Isaac