Há um ano, uma febre de escala mundial tomava conta de crianças, adolescentes, adultos e idosos, levando milhões de pessoas às ruas de olho no celular. O motivo? Capturar pokémons, como são chamados os "monstrinhos de bolso" de uma série japonesa homônima. Até então, nenhum jogo, nenhum outro aplicativo – nem Facebook, nem Gmail ou Whatsapp – havia sido tantas vezes baixado na semana de lançamento. Um ano depois, os números são impressionantes: foram 750 milhões de downloads em tablets e smartphones, conforme a desenvolvedora Niantic. E isso que o app foi sendo disponibilizado nos países pouco a pouco – no Brasil, só chegou em 3 de agosto do ano passado.
Lançado em 6 de julho de 2016, o jogo logo viralizou: era motivo de empreitadas pelas cidades, de mobilização nas redes sociais, de grande cobertura na imprensa e até de passeios arriscados, o que chegou a despertar preocupação em relação à segurança dos jogadores. Dominar ginásios, completar a Pokédex e jogar lures (iscas) para atrair os bichinhos viraram expressões comuns no dia a dia de muitos – mesmo daqueles que jamais haviam acompanhado o desenho no seu auge inicial, na década de 1990.
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Mas não só de caçadas e batalhas pokémon foi feita a fama do jogo. Muitos aproveitaram a febre para sair, passear, conhecer pessoas novas, descobrir locais pelos quais jamais haviam passado antes. Mesmo morando em Porto Alegre, a estudante Laura Maciel nunca havia parado para ver a Igreja Nossa Senhora das Dores ou o Anfiteatro Pôr do Sol. Foi de celular em mãos, atrás dos bichinhos virtuais, que ela aproveitou para conhecer mais a cidade.
– No fim de semana, eu e meu namorado pegamos uma bike no Itaú, damos uma volta pelo Parcão, vamos até o Centro. Nós conhecemos a cidade de um jeito muito diferente – diz Laura, que celebrava seu aniversário de 29 anos quando o jogo foi lançado no país, um presente que está prestes a completar um ano. – E o que estaríamos fazendo antes do jogo, qual era nosso programa de domingo? Ir ao shopping, levar o cachorro na praça, ficar em casa. Estamos aproveitando muito mais agora.
Brincadeira serve como "desculpa" para reuniões
Como Laura, as amigas Renata e Letícia também seguem firmes no jogo, que acaba virando uma "desculpa" para que elas saiam juntas. As três conheceram-se a partir do Pokémon Go: faziam parte de um grupo de mensagens que reunia outras 15 ou 20 meninas da Capital assim que o app foi lançado, mas foi perdendo força aos poucos – assim como o próprio jogo. Dos 28 milhões de usuários ativos por dia em julho do ano passado, restavam, em dezembro, 5 milhões que continuavam se divertindo diariamente. O número, apesar de 82% menor, ainda era bastante expressivo.
Tanto que, apesar de a febre ter passado, a fixação continua – em menor escala, é verdade, mas com uma chama mantida viva por jogadores ainda mais apaixonados, não apenas pelo aplicativo, como também pelas experiências por ele proporcionadas. E pelas pessoas que permite conhecer. Renata Bello, 32 anos, começou a namorar Felipe assim: por meio de uma amiga em comum que organizou uma saída para caçar pokémons. Batalha vai, batalha vem, e eles estão juntos desde o início do ano.
Animosidade de denúncias de trapaças não atrapalham
Mas nem tudo é como um desenho animado no universo pokémon. Há muita animosidade entre os jogadores mais competitivos e uma série de denúncias envolvendo trapaças – como simular a passagem por uma região em que a pessoa não está presente a partir da manipulação de dados de localização. Em e-mail anônimo enviado à reportagem, um jogador diz que foram criados grandes grupos, chamados clãs, que deram início a uma nociva rivalidade entre os jogadores.
"Interesses pessoais conseguiram destruir o jogo em Porto Alegre. Os clãs praticamente começaram uma guerra verbal onde ninguém sai ganhando. Mas, quando esse jogo acabar, só as lembranças e os amigos ficarão", dizem alguns trechos da mensagem.
Muito mais disposto a se divertir do que a entrar em conflitos, o arquiteto Willian De Nardi, 27 anos, participa de um grupo de reúne integrantes da comunidade LGBT em Porto Alegre. Para seu aniversário, inclusive, decidiu juntar os amigos para passear no Parque da Redenção, divertir-se e também, claro, caçar pokémons.
Chegou-se a apontar que a nostalgia estaria entre as maiores razões que levaram a tamanho sucesso. Os jogadores, afinal, no início tinham principalmente entre 18 e 34 anos – faixa etária que englobava 78% dos treinadores ao final do primeiro mês de lançamento. Homens entre 21 e 27 anos formavam a maior parcela dos adeptos e eles, provavelmente, viam, quando crianças, o desenho animado que, tantos anos depois, motivaria o jogo.
O interesse deles, porém, foi minguando. E quem continua ativo no jogo desde o primeiro dia acaba desafiando muitas das estatísticas iniciais. Foram aqueles que, mais do que interessados em fazer o que aparentemente todo mundo estava fazendo, realmente se interessaram pela proposta. Foi assim com Iria Darski, 53 anos, moradora de Esteio que sempre quando encontra um tempo livre gosta de sair com uma amiga em busca dos pokémons.
– Começou como uma brincadeira: meus filhos, de 25 e 18 anos, jogavam, eu comecei a jogar também. Mas eles acabaram desistindo, e eu gostei. Não entendo praticamente nada das batalhas. Só sei colocar os pokémons para ganhar pontos, mas adoro sair para pegar os bichos. É um prazer, nos divertimos muito fazendo isso – relata a empresária.
Nos fins de semana, ela e os filhos gostam de deslocar-se até Porto Alegre, e os pontos de encontro são os mesmos de muitos dos outros jogadores, como o Parque da Redenção e a Casa de Cultura Mario Quintana. Aos sábados e domingos, muito também em razão de atualizações que promovem dinâmicas maiores em ginásios e grandes batalhas em grupo, locais como esses recebem dezenas de pessoas que comparecem motivadas pelo jogo, mas logo aproveitam para realizar atividades e promover encontros que vão muito além de uma simples caçada pokémon.
Fatos e números
- O Pokémon Go foi lançado em 6 de julho de 2016 (3 de agosto no Brasil).
- Em dezembro, eram 5 milhões de usuários ativos por dia no país (no fim de julho de 2016, eram 28 milhões).
- Em abril, contabilizavam-se 65 milhões de usuários ativos.
- Conforme estimativa do app, já foram feitos 750 milhões de downloads.
- A receita estimada em 2-16 foi de US$ 950 milhões.
- Até fevereiro, o número de pokémons capturados em todo o mundo chegou a 88 bilhões.
- Mesmo não estando disponível mundialmente logo no lançamento, o Pokémon Go foi mais baixado em uma semana na App Store do que qualquer outro aplicativo até então.
- O app ultrapassou os 50 milhões de downloads em apenas 19 dias. Foi o mais baixado nos dispositivos iOS em 2016.
- Demorou apenas 90 dias para que o Pokémon Go arrecadasse US$ 600 milhões – outro recorde.
O que mudou
Raids: são batalhas em grupo contra "chefões", realizadas em ginásios, que rendem recompensas melhores do que disputas individuais.
Ginásios mais fáceis: no início, os personagens mais fortes podiam praticamente tomar conta de um ginásio sozinhos. Agora, são necessárias menos batalhas para destroná-los.
Punição a trapaceiros: dizem que nem sempre funciona, mas a desenvolvedora do Pokémon Go anunciou que, quem for flagrado trapaceando, não poderá usar os pokémons capturados.
Geração 2: em fevereiro, foram disponibilizados 80 novas espécies de pokémon da chamada "geração 2". Quem parou de jogar no início pode se surpreender com a quantidade de bichos novos.