Com os últimos acontecimentos políticos no Brasil, da eleição da Dilma Rousseff ao governo de Michel Temer, lados opostos começaram a medir forças nas redes sociais. Batalhas de hashtags e confrontos estratégicos de informações – falsas ou não – são travados não só por militantes de carne e osso: exércitos de robôs têm sido programados para, dia e noite, tentarem moldar a opinião pública.
Um grupo da Universidade de Oxford que investiga o impacto da propaganda computacional (uso de programas de computadores e algoritmos para disseminar ideias) se propôs a investigar o cenário brasileiro. O artigo sobre o Brasil, publicado por Daniel Arnaudo, da Universidade de Washington e do Instituto Igarapé, revela que os partidos já utilizam os recursos de automação em grande escala para alavancar tópicos de debate, disseminar notícias e ganhar vantagem na guerra de informação.
Segundo Arnaudo, as eleições presidenciais brasileiras de 2014 apresentaram as evidências mais concretas do uso de robôs para ajudar candidatos a alcançar seus objetivos. Durante o processo de impeachment de Dilma, o emprego desses programas também ficou escancarado, dizem os especialistas.
Leia mais
Instagram utiliza inteligência artificial para filtrar comentários
Fim do WhatsApp em celulares antigos é adiado
As duas faces da tecnologia na busca por segurança na internet
Em meio ao processo que elegeu Dilma para seu segundo mandato, durante um debate veiculado na televisão entre Aécio Neves e a ex-presidente, foi visto um crescimento exponencial de hashtags no Twitter em apoio a Aécio apenas nos primeiros
15 minutos do programa. Isso, para os pesquisadores, é um indício forte de uso de propaganda computacional.
– Robôs têm dois objetivos. O primeiro é apoiar o candidato e conversar sobre as coisas boas dele, os pontos fortes, erguer uma hashtag, criar assunto. O segundo é atacar outros candidatos, criar debates negativos sobre o adversário, dar RTs (retuítes) em notícias falsas ou não, mas que mancham o outro candidato – explica o norte-americano Arnaudo.
O estudo também cita um documento interno da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, que foi emitido durante o segundo mandato de Dilma e publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo. O documento, aponta o artigo de Arnaudo, admite o uso de robôs na campanha da ex-presidente. Conforme o estudioso, os robôs usados pela candidatura de Dilma encerraram em parte suas atividades após a eleição e passaram a trabalhar apenas para a Presidência – seguindo regras mais rígidas. Enquanto isso, os robôs da oposição continuaram a trabalhar com “invejável profissionalismo”, escreve Arnaudo, engajando cerca de 80 milhões de pessoas, contra 22 milhões engajadas pelas páginas do PT e do Planalto.
O uso de automação em redes sociais como Twitter, Facebook e WhatsApp teria custado à campanha de Aécio Neves mais de R$ 10 milhões.
Arnaudo avalia que o uso contínuo desses robôs por parte da oposição ajudou a preparar o terreno para os protestos e o consequente apoio de parte da população para o impeachment. O estudo também afirma que, em março de 2015, pesquisadores da Universidade do Espírito Santo constataram atividades de robôs entre as manifestações nas redes sociais contra e a favor da então presidente. Em 2016, o cenário se repetiu. Mas, no ano passado, a automação já trabalhava a favor ou contra o impeachment especificamente.
O impacto direto da propaganda computacional nos processos democráticos ainda não é claro, diz Arnaudo. Mas o pesquisador acredita que os robôs têm o poder de mudar os rumos dos debates que predominam na sociedade.
– Eles estão aí para confundir as pessoas sobre os assuntos, sobre os candidatos, para criar dúvidas no sistema. Nas redes sociais, eles podem fazer as pessoas mudarem seus votos – afirma.
Arnaudo avalia que isso expõe a fragilidade da lei eleitoral para punir o abuso desse recurso na propaganda política. Ao mesmo tempo, as leis que poderiam frear esse uso podem causar prejuízos para a privacidade dos indivíduos e ameaçar a liberdade da rede.
– No geral, isso (o uso de robôs) é feito de forma não oficial nas campanhas, por empresas fora da estrutura política e eleitoral, para fugir dos tribunais – diz.
A adoção dessas ferramentas, até bem pouco tempo atrás, era mais bem documentada apenas em países como os EUA – desde 2008, quando Barack Obama se elegeu, até a era Donald Trump, foi esse "personagem" da vida política online que ajudou a alavancar os termos "pós-verdade" e "fake news".
Os robôs funcionam automatizando funções humanas: seguem e curtem perfis com o objetivo de aumentar a relevância de uma conta (afinal, quanto mais seguidores, maior a sensação de importância e de influência), interagem com outros usuários e publicam rapidamente informações e hashtags – que, se muito populares, podem entrar na lista dos Trending Topics do Twitter, ou seja, os assuntos mais comentados, que trazem sensação de relevância e credibilidade para outros usuários das redes sociais. Essas hashtags, geralmente, também viram notícia nos grandes meios de comunicação e são uma forma de analisar a popularidade de um assunto ou o surgimento de tendências.
Em uma busca rápida no Google, é possível contratar serviços como esses – que infringem regras do Twitter e levam à suspensão da conta na rede social. Milhares de likes ou retuítes custam de dezenas a centenas de dólares – a compra está acessível a todos. Alguns serviços são mais avançados: prometem programas que administram milhares de contas. Outros são simples – por menos dinheiro, garantem que, do dia para noite, um perfil tenha 10 mil seguidores (nem todos, no entanto, reais). Essa tática, que é conhecida no mercado para venda de produtos e promoção de marcas, tem sido usada e aperfeiçoada para fins políticos.
O atual presidente norte-americano, segundo pesquisadores do programa Computational Propaganda Project, da Universidade de Oxford, utilizou um exército de robôs e de contas administradas por humanos, mas com atividades automatizadas, para fazer com que questões que viessem à tona no debate público fossem jogadas contra Hillary Clinton, a candidata derrotada nas eleições norte-americanas. A campanha de Trump também empregou uma tática que utiliza big data (grandes quantidades de dados sobre os usuários para promover informações, falsas ou não) para perfis específicos, assim como é feita a publicidade.
Alguns tipos de robôs são mais difíceis de identificar do que outros. Os perfis monotemáticos, por exemplo, que mesmo com a mudança de rumos nos debates continuam usando as mesmas hashtags ou publicando mensagens parecidas, são suspeitos. Mas um experimento feito por pesquisadores da Universidade de Minas Gerais mostra que a legitimidade desses perfis falsos e automatizados, ainda assim, é difícil de ser distinguida.
Com a foto de perfil de uma jovem loira, identificada como Carina Santos, que seria uma jornalista, um perfil-robô programado para interagir com pessoas e publicar informações ganhou centenas seguidores e retuítes. Conforme os pesquisadores, até mesmo celebridades conversaram com ela pela rede social. Isso mostra, segundo o estudo, o quão fácil é enganar usuários e fazer com que uma informação atinja uma audiência grande – basta ter a roupagem certa.
Softwares, como o Bot or Not, analisam a atividade de um perfil e dão uma probabilidade. Quanto mais próximo de 100%, mais provável é que o perfil seja administrado por um computador.
Em 2017, Arnaudo coletou mais de 80 mil tuítes de cerca de 33 mil usuários no Twitter. Dessa amostra, pinçou seis perfis que seriam prováveis robôs. Dois deles publicavam informações contra o governo Temer, usando hashtags como #ForaTemer. Um dos perfis, nos períodos de captura de dados – que somaram 45 dias –, tuitou 3,6 mil vezes sobre uma variedade de tópicos que incluíam a greve geral convocada em abril e o apoio à Lava-Jato. O certo é que há robôs de todos os lados: ninguém mais é inocente na guerra virtual da informação política.
Entrevista com Pablo Ortellado, filósofo e professor da USP
O filósofo Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do projeto Monitor do Debate Político no Meio Digital, que analisa o tema, fala sobre a guerra de informação no mundo virtual da política.
A polarização política foi ampliada devido às redes sociais?
Fenômenos de polarização já aconteciam antes do Facebook. Não é algo de elite, ou dos militantes dos partidos políticos. Estimamos que entre 10% e 15% da população do país está polarizada. Fizemos estudos com pesquisa de opinião em São Paulo, que, é claro, tem suas particularidades, mas é a maior cidade do Brasil. E vimos que apenas uma parcela da população está polarizada. Quando instrumentos tipo o Facebook permitem fazer mais análises, dá para ver que é uma parcela. São as pessoas que gostam de política, só. Os americanos também constataram isso nos EUA.
Leia mais
Polarização política incentiva discurso de ódio na internet, diz Safernet
Polarização política estimula manifestações contra e a favor do governo
Quais são os dois lados dessa polarização?
Essa polarização não é exatamente de esquerda e direita. Preferimos falar em esquerda e anti-petismo: estes são os dois lados. Do lado da esquerda, as pautas são coerentes: tem a defesa do papel dos sindicatos, as pautas do movimento negro e feminista. Do outro lado as coisas são mais amplas. Usamos o conceito de populismo, mas não de uma maneira desqualificadora. São correntes que fazem apelos de amplo espectro. O populismo não é coerente, a força vem da sua imprecisão. Por isso, quando aplicamos questionários a esse lado, não conseguimos enxergar nada. As pessoas podem até ter coerência, mas o conjunto não tem.
Quem são os líderes dessa parcela que fica no lado anti-petista?
As referências são da internet: grupos como o Movimento Contra Corrupção, o MBL, o Revoltados Online. E tem os veículos, como a Folha Política, que ficam entre os mais compartilhados.
Como as pessoas leem muitas notícias pelas redes sociais, isso dificulta esclarecer o que é falso e o que não é?
O que estamos vivendo é uma guerra. Não uma guerra dos militantes políticos, e sim uma guerra de 15% da população brasileira. Por isso não se consegue mais jantar em família: teu tio petista e teu primo anti-petista brigam. As pessoas leem algo sobre o Aécio, por exemplo, e compartilham: “Toma, anti-petista”. E o outro lado a mesma coisa. Tem esse fator beligerante, combativo. E tem o viés da confirmação, um fenômeno psicológico. As pessoas não questionam aquilo que corrobora o que elas já pensam. É por isso, ao meu ver, que pessoas até mesmo do meio acadêmico começam a compartilhar sites de péssima reputação.
O que vocês concluíram das pesquisas sobre boatos espalhados nas manifestações de rua?
Pesquisamos vários boatos. Isso em 2015. Lulinha é dono da Friboi: 71% das pessoas que estavam na manifestação anti-Dilma concordavam com isso. PT trouxe 50 mil haitianos para votar na Dilma: 42% concordavam. Essas informações flagrantemente falsas têm adesão de muitos manifestantes, e todos com curso superior! Estamos falando de gente da classe A. Quanto mais velhos, mais acreditam. Esses boatos que estão circulando ajudam a causar desconfiança nos meios de comunicação. Porque as notícias circulam e ninguém publica desmentido.
As notícias falsas são armas mais usadas pela direita ou pela esquerda?
Em geral, estão identificadas com a “direita”. Os casos mais flagrantes estão em lugares como Folha Política, Pensa Brasil. Mas a esquerda também faz isso, e é péssimo também. Um veículo identificado com a esquerda deu uma barrigada (um erro jornalístico) fenomenal que, conforme nossos cálculos, teve 150 mil compartilhamentos.
Como é desmentir um boato?
Nós mesmos fomos alvo de um boato, na página do nosso grupo de pesquisa no Facebook. Inventaram que teríamos feito uma lista com sites com mais notícias falsas. Mas só havia, nessa lista, os sites de direita. Houve uns 50 mil compartilhamentos. E nosso desmentido chegou a 6 mil pessoas.
Não tem a mesma força de divulgação, não adianta. Mesmo com o desmentido, alguns sites ainda estão com essa informação no ar. Por que não querem tirar? Porque estão em guerra de informação.
Aliada às notícias falsas, há uma discrepância de poder, como o uso de dados para atingir pessoas com uma determinada informação para moldar a opinião. Isso não é desleal?
Com o uso de dados, não tenho notícias no Brasil. Só nos EUA. O que há aqui é guerra suja, mas não com tratamento sofisticado.
O que é pior: o uso dos dados ou das notícias falsas para confundir as pessoas?
As duas coisas estão casadas. Mas a questão nem é que a informação seja falsa: ela é de combate. É guerra.