Começar uma startup é ter a certeza de que logo, logo você pode fracassar. O fracasso nesse meio é considerado regra. As estatísticas apontam que apenas 10% das iniciativas do gênero dão certo.
A cultura startup vai além dos escritórios com pufes coloridos e mesas de sinuca. A realidade dos empreendedores que largam carreiras e cursos universitários para apostar em uma ideia de negócio substancialmente digital é tentar produzir muito com pouco dinheiro e sem lugar fixo para se estabelecer. É uma cultura da experimentação.
Os grandes ícones começaram assim, starting up – o termo em inglês se refere a começar algo, a dar um início. Jeff Bezos largou o cargo de vice-presidente em uma grande empresa, nos anos 1990, para investir em um portal de e-commerce que veio a se tornar a gigante Amazon. Mark Zuckerberg virou ídolo de uma geração ao começar ainda na universidade seu império movido a interações sociais. Essas empresas não só prosperaram, mas moldaram um estilo de consumo e o mercado. Histórias que foram romantizadas. Algumas viraram produções de Hollywood, com roteiros envolventes sobre jovens gênios obstinados que conseguiram causar alguma forma de disrupção no mercado com pouco mais do que um computador.
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Nem todos ganham notoriedade, mas, olhando em volta, em pequena escala, aqui mesmo no Rio Grande do Sul, encontram-se também histórias de jovens ambiciosos dando início a um negócio não tradicional de olho no futuro. Alguns nunca sequer pisaram no Vale do Silício, na Califórnia, meca de quem respira inovação tecnológica e digital, mas querem construir seus próprios templos, adaptando-se à realidade brasileira. Cidades como São Paulo e Belo Horizonte se destacam no cenário nacional. Desses lugares, surgem grandes cases de startups que deram certo, resultado de um ecossistema favorável ao crescimento de ideias de negócios inovadores.
No Rio Grande do Sul, a criação de redes, os programas de aceleração, a entrada de incubadoras e o investimento em parques tecnológicos têm favorecido o surgimento de novas startups. É com o apoio dessas estruturas que surgem aplicativos de utilidade pública, sites que prestam serviços para resolver problemas do consumidor comum, os "Ubers de alguma coisa". São aqueles que experimentam mesmo em meio a tantas barreiras culturais e econômicas, afinal, o gaúcho é conhecido por ser resistente para investir em uma ideia que não seja tradicional. Mas, nem por isso, estão todos indo embora daqui.
– Quando comecei, me diziam: "Se tu quiser R$ 4 milhões para construir um prédio eu te dou" – diz Rodrigo Krug, fundador da Cliever, relembrando os tempos em que precisava ir atrás de investimento para sua startup. Atualmente, ele trabalha com estimativas de faturamento anual na casa dos milhões.
Quatro anos depois de construir, dentro da própria casa, pecinha por pecinha, sua primeira impressora 3D, Krug abria as portas da própria fábrica do produto na Zona Norte de Porto Alegre. Pensou muito antes de se instalar no local. Restava a dúvida se Porto Alegre seria o lugar ideal para seguir com os negócios. Resolveu ficar.
– Se tu consegues fazer negócio aqui, consegue em qualquer outro lugar. Aqui o mercado é mais fechado e extremamente tradicionalista, é difícil de se fazer uma venda – diz o presidente da Associação Gaúcha de Startups (AGS), Thomás Capiotti, de 26 anos.
Um mapeamento da AGS mostra que cerca de 200 startups já foram criadas no Estado – algumas mais avançadas, outras ainda tentando firmar uma ideia que surgiu de um problema observado no dia a dia. A maior parte delas fica na região metropolitana de Porto Alegre, mas em áreas como Serra, Região Central e no Sul já surgem projetos promissores.
As pesquisas que jogam luz sobre esse cenário também são recentes no Estado. Levantamento encomendado este ano pelo Sebrae-RS mapeou 150 startups em atividade – divididas entre as que oferecem produtos para o usuário comum e as que desenvolvem soluções para negócios. A pesquisa também apontou que 77% das empresas são formalizadas e 58% já estão faturando.
Os empreendedores entrevistados apontam para um dos itens que favorecem o RS como um local propício para a inovação. Com universidades reconhecidas e bons cursos de graduação nas áreas tecnológicas, os gaúchos mostram que têm capacidade técnica para criar. Aqui, é possível conseguir mão de obra capacitada e com custo menor, se houver uma comparação com cidades como São Paulo.
– Grandes cases vão puxar esse ecossistema todo. Há nomes surgindo no Rio Grande do Sul com modelos de negócio estáveis e já faturando. O mercado aqui ainda é muito tradicional, mas há muito espaço para inovação – opina Debora Chagas, coordenadora do programa de TI e Startups do Sebrae-RS.
PARA TER SUCESSO, VOCÊ
PRECISA DE UM PROBLEMA
Uma startup não começa apenas com uma grande ideia, mas com um problema – e um nicho de mercado que espera uma solução. Como no caso em que três desenvolvedores gaúchos encontraram em um aplicativo o caminho para nutricionistas fidelizarem pacientes. E para pacientes manterem-se firmes na dieta.
Foi depois de uma consulta, ao levarem para casa uma pasta cheia de papéis, com receitas e exames, que os sócios Eduardo Costa, de 31 anos, e Andre Piegas, de 30, enxergaram uma lacuna no processo de atendimento nutricional. Naquela nova rotina de informações sobre alimentos e rótulos a decifrar, os pacientes, com frequência, têm de recorrer ao WhatsApp na hora das dúvidas: "Posso comer isso?", "Será que esse produto engorda?". Aquele amontoado de folhas não seria útil para criar novos hábitos. Era "arcaico", pensaram os fundadores, em 2013. No mesmo ano, eles se juntaram a Jieverson Maissiat, de 26 anos. Colegas na mesma empresa de tecnologia, pediram demissão para empreender. Não sabiam o que sairia desse novo plano.
– Quando tu sai do emprego, tem que começar alguma coisa, não tem como ficar parado – diz Jieverson.
Antes de chegar à ideia do Dietbox, desenvolveram outros aplicativos. Um dos programas era uma ferramenta voltada para designers, outro, mostrava os horários do cinema. A motivação para investir no software de plataforma nutricional veio da aceitação dos próprios profissionais da saúde, que viram a vantagem de se comunicar com os pacientes em um aplicativo específico para isso. Dentro do mesmo programa, constam as informações sobre o usuário, horários de refeições e lembretes. O contato próximo do profissional com o paciente ajuda na fidelização, relatam os sócios. Antes, a dificuldade para manter a pessoa motivada depois de uma consulta era a principal causa das desistências.
– Teve um caso de uma nutricionista que disse que perdia 30 clientes por mês e agora perde sete – conta Barbara Borba, de 24 anos, que coordena o marketing da startup.
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Com o Dietbox, os três viram que a maneira de monetizar o negócio poderia dar certo. Até então, dependiam de projetos paralelos e chegaram a vender uma moto – uma Harley Davidson que ganharam como premiação, mas decidiram passar adiante para bancar a empresa. Eles começaram aos poucos, desenvolvendo aplicativos de teste e pedindo feedback dos nutricionistas, que ajudaram a formatar os recursos necessários. A contratação de uma nutricionista exclusiva para o time, para prestar apoio aos profissionais que usam a plataforma, foi feita apenas neste ano.
Segundo os fundadores, o aplicativo já chegou a 100 mil pacientes cadastrados, em 400 cidades diferentes e tem mais de 16 mil nutricionistas inscritos. Quem paga para o uso da plataforma são os profissionais da saúde. O cadastro dos primeiros 10 pacientes é gratuito. Quem quiser conectar mais usuários pode contratar planos de preços de R$ 49 e R$ 199. No Exterior, eles encontraram um mercado de nutricionistas que atendem pacientes brasileiros.
– Publicidade em aplicativo não dá lucro. Mas foi fazendo aplicativos que conseguimos visibilidade para pegar projetos com empresas maiores, como a Nokia e a Microsoft, para bancar o Dietbox – conta Eduardo.
Com planos de permanecer no Rio Grande do Sul, a equipe já pensa em expansão para outras áreas da saúde, atendendo médicos que procuram uma plataforma específica para contato com os pacientes. Hoje com investimentos próprios, eles coordenam a operação e o desenvolvimento do aplicativo em uma sala com menos de 15 metros quadrados, no bairro Menino Deus, e não pensam em sair dali.
– Está tudo em nuvem. A gente atende aos clientes onde estiver, desenvolve o aplicativo em qualquer lugar. Nunca tivemos nem time de vendas. Fizemos muito marketing digital para começar, não teria por que se mudar – completa Eduardo.
DA NETFLIX PARA ROUPAS
AO UBER DO ARMÁRIO
– Primeiro a ideia surgiu como uma "Netflix para roupas", agora funciona mais como um "Uber" – diz Carolina Niederauer, de 24 anos, sentada na cama do seu quarto, na casa da família, em Cachoeirinha. É lá onde ela planeja os próximos passos da We Closet, uma startup que quer conectar quem precisa de uma roupa exclusiva a quem já enjoou das peças que tem no armário, mas não quer abrir mão delas.
Da arara de roupas no meio do cômodo, ela pega um casaco peludo, feito com material sintético que se assemelha a lã, comprado durante o intercâmbio no Canadá. É uma peça simbólica. Carolina deixa o casaco muitas vezes parado, sem uso, mas guarda o produto como uma boa lembrança da viagem. Pendurado no cabide, porém, o casaco não dá grana. Mas se alguém quiser vesti-lo por um curto período, durante o final de semana, por exemplo, ele está à disposição por até R$ 20. É assim que funciona. Todas as peças do We Closet variam de preço entre R$ 5 e R$ 10 e o tempo de empréstimo é de até sete dias. No Exterior, encontram-se iniciativas similares. O público-alvo que Carolina almeja é formado por jovens das classes B e C, que possivelmente já frequentam grupos de troca e venda no Facebook e pensam de maneira mais crítica sobre consumo.
– Depois da terceira vez em que você usa uma peça, deixa de ver como novidade. Vem aquela sensação de que o guarda-roupa está cheio, mas não tem aquilo que você procura – afirma, sustentando a ideia.
No começo de uma startup, esse é um dos maiores desafios: formatar uma ideia que tenha potencial e convencer os outros disso. Carolina já inscreveu a sua em programas como a Maratona de Empreendedorismo da UFRGS e hoje faz parte do Startup RS, do Sebrae-RS, que seleciona projetos digitais e inovadores para fornecer mentoria na formulação de um modelo de rentabilidade. Ao longo do tempo, ela foi moldando a ideia até chegar a um plano de negócios que funcione em escala maior.
– Nesses programas, eles ajudaram a rever o nome da startup e disseram que eu precisava de uma equipe. Hoje tenho mais dois sócios, o que é bom para buscar investimento, foi essencial – diz.
A We Closet está na fase de testes e funciona como projeto piloto no Instagram e no site oficial. A plataforma angaria usuárias que mandam fotos das peças para publicar na rede social e através de cadastros no Facebook. Para alimentar a rotatividade dos produtos, Carolina revela que comprou algumas roupas na seção de promoção de uma loja de departamentos.
Enquanto Carolina compra para investir na sua ideia, Luciano Telesca Mota, de 27 anos, vende. Com o propósito de melhorar a procura por vagas de estacionamento, ele abriu mão do próprio carro. O dinheiro foi investido no Parknet, um app para Android (em breve disponível também no iOS). A ideia de uma rede colaborativa que ajude os usuários a gastar menos tempo rodando antes de parar o carro surgiu na época em que Luciano trabalhava no projeto final da faculdade de ciência da computação na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Hoje, Luciano anda de ônibus e já nem passa mais tempo em Canguçu, sua cidade natal de 50 mil habitantes, na região Sul, reconhecida pela produção de fumo. Em 2012, ele foi, pelo programa Ciência Sem Fronteiras, para os Estados Unidos, estudar na Universidade de Stanford, no Vale do Silício – onde, segundo ele, "respirava empreendedorismo".
Luciano agora passa boa parte do tempo em São Paulo, buscando parceiros de negócios para a Parknet. No início do mês, a empresa foi lançada pelo Laboratório de Mobilidade Urbana da cidade de São Paulo como uma das startups residentes. Chamado de Vaga Acessível, Cidade Legal, o Parknet será o aplicativo que vai mapear e receber denúncias sobre vagas reservadas a idosos e pessoas com deficiência na capital paulista. O sistema é baseado em dados coletados e analisados pelo algoritmo do aplicativo e de colaborações dos próprios usuários.
– A gente já tem um conhecimento empírico sobre as ruas que frequenta e onde há vagas. O que fiz foi pegar esse conhecimento das pessoas e aplicar em uma inteligência, que a gente chama de 'Susi'. O programa analisa o cenário, minerando dados em diversos locais. O próprio usuário já nos mostra o percurso que está fazendo – explica.
Luciano é focado e acredita que em um futuro próximo o aplicativo estará entre os mais baixados do país. É um cara que gosta de falar sobre o próprio sonho e sabe trabalhar com iniciativa privada e o poder público para chegar onde quer. Uma das maneiras de monetizar o aplicativo será firmando parcerias com estacionamentos privados.
Em 2015, ele submeteu a empresa a um programa do Ministério das Comunicações, o INOVApps. Entre os cem projetos de utilidade pública que participaram da seleção, foi um dos premiados com R$ 50 mil. Luciano não especifica os valores que precisou para desenvolver o sistema do aplicativo, mas conta que voltou a morar com os pais e aluga uma garagem de um amigo por R$ 400 em Pelotas, onde ficam os desenvolvedores. Ao todo, o time da Parknet tem cinco pessoas. Uma delas passou em um concurso público recentemente.
– Estamos trabalhando com risco, mas acredito totalmente na minha empresa – diz Luciano.
ALGORITMOS E INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL PARA O COTIDIANO
Por que exatamente você precisa de uma TV Ultra Hd 4k na sua sala? Na verdade, talvez você não precise. Marcos Berghahn, de 32 anos, em 2015 criou um protótipo que ajudaria a driblar o tal "papo de vendedor" ou os termos indecifráveis sobre tecnologia para ajudar você a saber se realmente precisa uma TV Ultra HD 4k etc. Surgiu a ideia de desenvolver o Shoptutor, um algoritmo que, baseado nas necessidades de cada consumidor, entrega opções de produto com o melhor custo-benefício. Se a pessoa gosta de assistir a filmes em canais abertos e tem uma sala iluminada, é provável que precise de uma TV diferente da que outro espectador usa para assistir à Netflix no quarto. As perguntas são feitas através de um quiz, e o sistema cruza as informações fornecidas com as especificidades técnicas do produto.
– Muita gente na hora de comprar pergunta para amigos, mas o uso pode ser totalmente diferente. O algoritmo pega as informações fornecidas pelo usuário, calcula a demanda técnica e oferece sugestões de produtos. Para que a pessoa não pague muito mais por algo de que não precisa – explica Marcos.
Ele começou programando como hobby. Formado em Comunicação Social, constantemente chamava a amiga, a designer Thais Serafini, de 30 anos – que se tornou sócia no empreendimento – para conversar sobre ideias. Decidiu então ir atrás de uma equipe e procurar aceleradoras e programas de mentoria. Atualmente, a Shoptutor é acelerada pela Ventiur, que tem escritório no Centro Histórico de Porto Alegre e no Complexo Tecnológico Unitec, da Unisinos. A equipe continua afinando o algoritmo e adicionando mais produtos aos resultados. O modelo de negócios é fundado em comissões das lojas indicadas para a compra dos produtos, um caminho que alivia o consumidor de ter de pagar para utilizar o site.
Se o Shoptutor quer ser o "tutor" das compras dos usuários, o aplicativo Planejei se propõe a guiar as escolhas que envolvem dinheiro. O sistema que promete fazer isso dentro do app ganha até um nome carinhoso pela equipe, Marvin, o robô que promete ajudar a planejar uma viagem ou cortar custos.
Criada por jovens da Região Metropolitana, a startup Planejei, que desenvolve um aplicativo de finanças pessoais, é incubada pela Raiar, da PUCRS, e quer desbravar o mercado brasileiro de softwares. As características do sistema financeiro do Brasil colocam as startups de finanças daqui com uma vantagem, acreditam os fundadores.
Ao baixar o app, o usuário conecta as informações das suas contas bancárias, e o sistema começa a analisar o comportamento e os gastos. A partir disso, a inteligência artificial passa a fornecer dicas sobre os hábitos financeiros de cada um. Desde março, quando foi lançado, foram solicitados 15 mil convites para usar o aplicativo, mas apenas 1,5 mil usuários têm acesso.
– Essa fase inicial é muito importante, não temos ainda como lançar o aplicativo em massa sem poder atender bem a todos. Uma solução oferecida para um brasileiro que está com dívida de cartão de crédito, por exemplo, tem que ser diferente do que é feito para um americano – explica um dos sócios da startup, Lucas Montano, de 26 anos.
Para o crescimento da empresa, os sócios consideram fundamental um espaço físico focado em desenvolvimento tecnológico. Eles buscam as referências e a filosofia de empreendedorismo de fora, mas se veem mais fortalecidos em contato com a comunidade de startups aqui.
– Estar aqui, na Raiar, é muito bom. É um ecossistema e temos contatos com grandes empresas. A energia aqui é diferente, esse espaço estimula o empreendedorismo – diz Lucas.
Através de programas de aceleração do Brasil com vínculos no Vale do Silício, a Planejei já recebeu investimento de US$ 50 mil dólares. O valor foi usado para investir na equipe e no desenvolvimento tecnológico do programa. Filipe e Lucas começaram ainda sem investimento, mas decidiram que mesmo assim se dedicariam totalmente à ideia. Filipe largou a faculdade para pensar no produto e Lucas, que já trabalhou na Superplayer, uma startup de streaming em Porto Alegre, assumiu a operação. Atualmente, nove pessoas estão envolvidas com a Planejei – seis delas com dedicação integral.
– Começamos a programar com 16 anos, eu tive que parar a faculdade porque as coisas estavam andando mais rápido aqui fora. Tudo estava em ritmos diferentes – diz o cofundador Filipe Alvarenga, de 22 anos.
A CONSOLIDAÇÃO DAS
STARTUPS NO ESTADO
Há oito anos, quando lançaram o Vakinha, um site para financiamento coletivo de projetos, ainda nem se falava em crowdfunding – o termo da moda para as famosas "vaquinhas". O próprio termo start up, ao menos no Brasil, ainda era raramente usado.
– É um termo meio nebuloso, a gente não está acostumado a se classificar muito – diz Luiz Felipe Gheller, de 37 anos.
Sediado na Zona Sul de Porto Alegre, o Vakinha surgiu com a necessidade de Gheller de juntar dinheiro para a viagem de casamento. Até então, ele e o cunhado, Fabrício Milesi, de 35 anos, não conheciam uma iniciativa online segura para juntar dinheiro. Resolveram investir na ideia de uma vaquinha online.
– Tinha certeza que ia dar certo – relembra Milesi.
Gheller começou a programar. Por um ano e meio, trabalharam em casa. Já haviam testado as águas do empreendedorismo com clubes de investimento. Mas em um certo momento, para o site ir em frente, eram eles que precisavam de um investidor.
– A ideia não era gastar muito, fazer com pouco recurso, mas um investidor resolveu bancar o piloto. Íamos fazer mesmo sem isso. O investidor tem um lado bom e um ruim: te obriga a ficar no negócio e às vezes empurra a coisa, mas eu tentaria, hoje, viabilizar sem, porque pode atrapalhar os planos – diz Milesi.
De 2008 para cá, o modelo de negócio permanece o mesmo, o Vakinha cobra uma taxa de 6,5% de todas as arrecadações. A média é de R$ 1,5 mil por vaquinha. Segundo os sócios, de 150 a 200 novos financiamentos são criados por dia. Eles acabam se envolvendo mais com alguns, o site traz esperança para famílias como a de João Vicente, um menino de Porto Alegre que precisa de um tratamento para uma doença grave.
– Nos mantivemos fiel ao modelo de negócio, é o que faz mais sentido para o Brasil. A gente tem uma taxa baixa, e o usuário tem liberdade, não fazemos pré-filtro do projeto, é o público que faz isso. São as pessoas que escolhem no que querem colocar o dinheiro – diz Gheller.
Na outra ponta da Capital, na Zona Norte, ficam o escritório e fábrica da Cliever, de impressoras 3D. Na sede, há por todas as partes pequenos objetos e brinquedos e de plástico produzidos lá mesmo. Na sala de Rodrigo Krug, de 30 anos, o fundador, há vários personagens do desenho Os Simpsons em miniatura. Mas para a indústria, impressão 3D não é diversão. É um passo importante para o desenvolvimento de novos produtos, para testes de design e ergonomia. É aí que entra a Cliever. O guri que começou há cinco anos prevê para 2016 um faturamento de R$ 2,4 milhões. Com vendas para companhias como a Embraer (parceria da qual se orgulha), ele ressalta as vantagens de negociar um produto no país. Afinal, as máquinas importadas chegam aqui com um preço maior devido aos tributos e ao câmbio. Ele ainda tem o sonho de se tornar grande em exportação.
Em 2012, Rodrigo Krug apresentou pela primeira vez na Campus Party, em São Paulo, maior evento de tecnologia da América Latina, uma máquina de impressão tridimensional desenvolvida por ele, em casa. Sem pensar muito, pegou sua impressora 3D e a levou para uma feira de empreendedorismo dentro do evento. Falou com jornalistas especializados em tecnologia como se estivesse com tudo planejado. Não tinha nada. Ele nem havia estabelecido um preço para o produto. Quando perguntado, falou o que veio à cabeça: R$ 4,5 mil.
– Conseguimos chegar na hora certa, com o produto certo, vendendo uma impressora a menos de R$ 5 mil, que na época tinha apenas uma concorrente fora do Brasil, com produto que custava R$ 60 mil. Esse preço foi um erro absurdo para a empresa, mas talvez se eu tivesse mais, não teria dado aquele boom – relembra.
Filho de pai marceneiro, Krug cresceu em Candelária, no interior do Rio Grande do Sul , e chegou a Porto Alegre para estudar. Até hoje, nunca terminou a faculdade, algo que o incomoda bastante, revela. Mas foi dentro da incubadora da PUCRS que Krug começou a dar os primeiros passos.
– O fato de estar dentro da universidade foi importante. Eu aprendi importação com o colega do lado, que tinha outra startup. Além do mais, nas manchetes de jornal não aparecia o Rodrigo da Cliever, era o "aluno da PUC" – lembra Krug, rindo.
No primeiro ano, ele conta que faturou R$ 160 mil, mas também quebrou a empresa. Viajou para o Exterior para ouvir não de investidores. Colocou a casa da mãe como garantia de um empréstimo. Na história da Cliever, Krug mostra que conseguiu fazer a própria sorte.
– Bati na porta de todos os bancos. Eu tinha apenas um protótipo e uma empresa que era eu, sozinho. Para conseguir meu primeiro investimento, fui 15 vezes para São Paulo. Aqui no Sul, não havia fundos. Quiseram investir na gente um ano e meio depois. Se eu tivesse dependido só disso, nunca teria saído – diz.