Escondida no porta-malas, assoalho e banco traseiro de um Etios, uma carga de aproximadamente meia tonelada de agrotóxicos clandestinos foi apreendida pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-480, em Erechim, no dia 16 de setembro. Duas semanas depois, 500 litros de herbicidas irregulares foram encontrados em Cruz Alta. Dois homens foram presos nas ações por contrabando.
Nos primeiros nove meses de 2024, 6,5 toneladas de agrotóxicos ilegais foram apreendidas em 13 abordagens nas rodovias federais do RS. Os dados da PRF representam redução de 54% em relação a 2023 (veja gráfico abaixo). Mas o volume apreendido ainda é considerado expressivo pelas autoridades.
Vindos de diferentes destinos e percorrendo diversas rotas pelo Estado, os herbicidas clandestinos representam riscos à saúde do consumidor, ao meio ambiente, prejudicam a economia local e ajudam a financiar o crime organizado. O chefe da Comunicação Social da PRF do Estado, Felipe Barth, destaca que os produtos geralmente vêm de países vizinhos como Argentina e Uruguai pelas zonas fronteiriças.
De carros pequenos, como Uno, a carretas de grande porte, os contrabandistas desafiam as autoridades transportando substâncias de procedência indefinida em galões nos porta-malas, sob estofados ou em meio a outros tipos de cargas. Barth pontua que muitos motoristas também são barrados ao levar os produtos do RS para Santa Catarina, que também serve como ponto de acesso aos países vizinhos.
A PRF aponta que as BR-116 e BR-290 são dois dos principais caminhos usados pelos criminosos, mas reitera que o contrabando de agrotóxicos não tem rota definida, justamente para despistar e dificultar o trabalho das forças de segurança.
O que mobiliza o contrabando
Em 2022, o RS alcançou o pico de apreensões nas estradas, saltando de 5,3 toneladas em 2021, para 51,2 toneladas no ano seguinte. Já em 2023, reduziu para 14,2 toneladas e seguiu diminuindo até chegar ao patamar atual. Barth explica que essas oscilações podem estar relacionadas a fatores econômicos e políticos.
— Toda vez que ocorre alguma situação de guerra, que faz aumentar o preço dos agrotóxicos fora do país, aumenta o contrabando, assim como descaminho. O mesmo acontece quando tem a proibição da venda de alguma substância — sublinha Barth.
Um exemplo disso é o herbicida Paraquat que, segundo a PRF, é um dos que mais aparecem nas apreensões. O produto costumava ser usado nas lavouras para combater plantas daninhas que são resistentes ao composto químico glifosato. Contudo, em 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluiu estudos que apontavam o Paraquat como causador da doença de Parkinson entre agricultores, e proibiu seu uso.
Crime organizado
A PRF pontua que o fato de os agrotóxicos chegarem ao RS vindos de outros países denota a existência de uma rede internacional de contrabando, o que exige recursos.
— É importante salientar que o contrabando de agrotóxicos é muito complexo porque requer uma rede de contatos dentro e fora do país. As facções criminosas utilizam esse tipo de crime para se monetizar, assim como o tráfico de drogas e o descaminho de bebidas — afirma o chefe de comunicação da PRF.
Barth aponta também que há a possibilidade de existir subnotificação dos casos, uma vez que muitas embalagens não têm identificação, e aquelas que têm, podem estar incorretas. Ele comenta que, além de introduzir substâncias ilícitas no país, o contrabando de agrotóxicos também promove a concorrência desleal com as empresas nacionais.
Combate e fiscalização
O Art. 56 da Lei 14.785/2023 caracteriza como crime: produzir, armazenar, transportar, importar, utilizar ou comercializar agrotóxicos, produtos de controle ambiental ou afins não registrados ou não autorizados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) ou pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A pena prevista é de três a nove anos de reclusão e multa. Há ainda outros enquadramentos possíveis como crime ambiental ou contra a saúde pública, por exemplo.
Levantamento da Polícia Federal (PF) aponta que, em 2024, 32 pessoas foram presas e 35 indiciadas por este tipo de crime no RS. Conforme a PF, as apreensões que chegaram a eles somam R$ 7,1 milhões em produtos recolhidos.
A delegacia da PF de Santo Ângelo é a que mais tem inquéritos deste tipo. A Polícia Federal avalia que a extensão da fronteira gaúcha é um dos principais desafios para o combate a este tipo de crime.
— A dificuldade da fronteira também ocorre por ela ser delimitada em grande parte por rios. Nosso Estado, inclusive, é um dos maiores em quilometragem terrestre de fronteira do Brasil — salienta o delegado regional de Polícia Judiciária da PF, Mauro Lima Silveira.
Em junho deste ano, a PF gaúcha cumpriu dois mandados de busca e apreensão em Chapecó, Santa Catarina. A ofensiva teve como base uma apuração que teve início em 2022, quando, em uma única abordagem, foram apreendidas 10 toneladas de agrotóxicos em um caminhão, na cidade de Barão de Cotegipe, no norte do RS.
A investigação identificou um empresário de Chapecó suspeito de coordenar um esquema internacional de contrabando. Os produtos ilegais eram trazidos da Argentina para a região do Vale do Rio Pardo.
Diálogo com produtores
O papel do Estado no combate ao contrabando de agrotóxicos também passa pelo diálogo e esclarecimento aos produtores sobre os riscos do uso de insumos sem registro. O diretor do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação, Ricardo Felicetti, explica que os defensivos agrícolas têm três aspectos testados antes da comercialização:
- Eficiência agronômica
- Impacto na saúde humana
- Impacto no meio ambiente
— Se a gente usa um produto com mais ingrediente ativo, pode induzir mais resistência nas pragas, assim como pode acontecer com um produto com menos ingrediente ativo. Sempre argumentamos com os produtores que não se sabe o que está entrando (no Estado) em matéria de defensivo contrabandeado — sublinha Felicetti.
Riscos à saúde e à economia
Felicetti frisa que o uso de defensivos contrabandeados pode oferecer riscos à saúde dos produtores e ao consumidor final, caso o componente permaneça nos alimentos. Além disso, a detecção em alimentos de substância sem aprovação pelos órgãos federais pode acarretar o fechamento de mercados para o Brasil no Exterior.
— Temos um problema também que o Brasil, em sua vocação internacional de fornecedor de alimentos, tem uma obrigação de admitir ingredientes ativos registrados no país. Se em algum país estrangeiro for detectada uma substância que não esteja registrada nos órgãos de controle, pode ocasionar o fechamento de mercados estrangeiros para o país — esclarece.
Ele finaliza dizendo que o produtor que aplica esse tipo de produto, muitas vezes, não faz ideia de que está, em alguma medida, contribuindo para o fortalecimento do crime organizado.