O Gabinete da Chefia de Polícia Civil do RS enviou, na segunda-feira (19), um e-mail aos departamentos pedindo a convocação de 10 policiais civis de cada um deles para uma celebração na Igreja Universal do Reino de Deus. O chamamento gerou descontentamento na corporação, e o Ugeirm, sindicato que representa os policiais civis, emitiu dois ofícios à Chefia de Polícia, na quarta-feira (21), pedindo um posicionamento. No mesmo dia, um novo e-mail foi encaminhado aos departamentos, afirmando se tratar de um convite, não uma convocação.
A Ugeirm descreve a convocação como "ilegal e extremamente problemática". Nos ofícios, o sindicato aponta que ela "afronta o princípio fundamental que o Estado deva permanecer laico" e que é necessário "respeitar a liberdade religiosa dos servidores".
Intitulado Condecoração dos Heróis, o evento tem como objetivo homenagear agentes das Forças Armadas, Forças de Segurança Pública e instituições de Justiça que atuaram nas enchentes. No enunciado do convite para a celebração, a organização diz que os agentes serão "condecorados como heróis, por demonstrarem sua coragem, diariamente, ao se colocarem à disposição para servir e proteger a sociedade".
A celebração está marcada para ocorrer neste domingo (25), às 9h30min, no Templo Maior, no Centro Histórico, em Porto Alegre. No e-mail enviado à Delegacia Regional da Capital, era pedido que os dados dos servidores selecionados fossem enviados até quinta-feira (22).
Pontos de descontentamento
Em nota pública, o sindicato relacionou quatro tópicos que geraram o descontentamento:
- O sindicato aponta que, em "se tratando de uma homenagem, os policiais civis deveriam comparecer de acordo com a sua vontade e não através de uma convocação, o que pressupõe uma obrigatoriedade do comparecimento à atividade";
- A entidade diz que "as atividades de cunho religioso são de foro íntimo, portanto qualquer tipo de convocação, além de ilegal, se confunde, até mesmo, com assédio religioso";
- Refere-se à possibilidade de existência de supostos interesses políticos no evento. "Nos surpreende a Chefia de Polícia não atentar para a total inconveniência de, em um período pré-eleitoral, fazer uma convocação para que policiais civis participem de uma atividade convocada por parlamentares com claros interesses eleitorais", diz o texto.
- Menciona o uso do termo "herói" para se referir aos agentes. A nota diz que "os Policiais Civis não são heróis, mas sim servidores públicos que prestam um serviço essencial para a sociedade, garantindo a segurança da população e, para isso, devem receber uma remuneração condizente com seu trabalho." Segundo a nota, "esse tipo de abordagem do trabalho policial tem servido para mascarar uma série de abusos sofridos pela categoria".
O que diz a Polícia Civil
O Chefe de Polícia do RS, delegado Fernando Sodré, afirma que aconteceu um equívoco, pois o objetivo era enviar um convite, não uma convocação. Ele reforça que não há obrigatoriedade de participação no evento.
— Isso não foi uma convocação, a palavra saiu errada no e-mail primeiro, depois fizeram um segundo e-mail corrigindo. Eu mandei o pessoal convidar as pessoas, eles entenderam que era a convocação e fizeram um e-mail de convocação, depois eu já mandei corrigir. Ninguém é obrigado a ir se não quiser ir — diz Sodré.
Ele comenta que o evento se trata de uma homenagem para as forças de segurança que atuaram durante a enchente com a gravação de um documentário e que, por isso, solicitaram a participação dos agentes que quiserem receber a condecoração. Segundo ele, não há convocação, justamente para "evitar qualquer tipo de constrangimento". Ele acrescenta que, embora concorde que os policiais sejam heróis, foi a organização do evento quem usou o termo.
— O chamar de herói não é por nossa conta. A Universal que está chamando de herói, não somos nós. Vamos dizer para eles, olha, não chamem de heróis? E eu acho que nós somos mesmo, mas é isso é uma questão de entendimento deles — conclui.
Divulgação por deputado estadual
Um dos fatos que gerou questionamentos no sindicato foi a divulgação do evento pelo deputado estadual Sergio Peres (Republicanos) em suas redes sociais. Em uma publicação feita na terça-feira (20), o deputado diz que, juntamente com o pastor Leonardo Álvaro dos Santos, coordenador da capelania UFP, que organiza o evento, efetuou "a entrega oficial do convite à Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF)".
Procurada pela reportagem, a assessoria de comunicação do deputado informou que Peres, que já foi pastor, "não participa da organização do evento e que o divulgou da mesma forma que convida as pessoas para outras atividades aleatórias como a Festa da Rosca e da Nata em Ivoti, confraternização de partido, chá beneficente". A assessoria frisa que o deputado não é candidato e que participará do evento apenas como convidado.